Comarca: São Paulo – 11ª Vara Cível
Processo n°: 131447/08
Apelante: RVMO
Apelado: Mapfre Vera Cruz Seguradora S/A
VOTO N.º
19.399
SEGURO
FACULTATIVO DE VEÍCULOS. Cobrança de indenização. Nulidade da previsão
contratual de rescisão automática da apólice em face de
inadimplemento,independente de interpelação para fins de mora. Aplicação do
Código de Defesa do Consumidor. Segurado ainda não fora constituído em mora
quando do sinistro, pelo que devida a indenização. Dado parcial provimento ao
recurso,para esse fim.SEGURO FACULTATIVO DE VEÍCULOS. Dano moral.Inocorrência.
Negativa de pagamento fundamentada em premissa equivocada não causou prejuízo
extrapatrimonial capaz de gerar profundo abalo na psique do
apelante,inexistindo dano moral a ser indenizado. Negado provimento ao recurso,
nesse ponto.
Vistos.
Cuida-se de ação de cobrança de seguro
e indenização por danos morais, ajuizada por RVMO em face de Mapfre
Vera Cruz Seguradora S/A, julgada improcedente na r. sentença de fls.
137/140,condenando o autor ao pagamento das custas, despesas processuais e
honorários de advogado fixados em 10% sobre o valor da causa,observada a
gratuidade concedida.
Inconformado apela o autor (fls.
143/155), em
síntese, reprisando os termos da
inicial, e sustentando que a
cobertura da apólice não é
automaticamente suspensa pelo
vencimento da parcela do prêmio.
Anota-se que o recurso é tempestivo,
foi recebido,
processado e contrariado (fls.
160/174). Prescindível o preparo,
vieram os autos.
O recurso foi julgado inobservando-se
impedimento legal, razão pela qual,
após a interposição de embargos
declaratórios, este relator declarou a
nulidade do julgamento da
apelação.
Alterada a composição da Turma
Julgadora,
foram os autos novamente remetidos à
Mesa para reexame da
apelação.
É o relatório.
Muito embora anulado o julgamento
primitivo do
apelo em razão do impedimento, tem-se
que a fundamentação
ofertada naquela oportunidade merece
ser integralmente mantida.
Ajuizada ação em 31.03.2008, pretende
o autor,
ora apelante, cobrança da indenização
de seguro, decorrente de furto
de seu veículo em 29.08.2007, bem como
de danos morais
decorrentes da negativa de pagamento.
Citada, a ré ofertou
contestação (fls. 95/112), seguida de
manifestação (fls. 117/131),
sobrevindo a r. sentença como
relatado.
O vencimento das parcelas do prêmio
foi
contratualmente estipulado como o
quinto dia de cada mês.
Inobstante, o segurado habitualmente
pagava com certo atraso,
como se observa dos comprovantes de
fls. 26/32, resumidos no
informativo de fl. 35.
Inicialmente, de rigor reconhecer o
caráter
consumerista da relação em comento,
pelo que é aplicado ao caso o
Código de Defesa do Consumidor.
Lê-se da apólice de fls. 23 e 37/58
que há
disposição contratual estatuindo a
cobertura proporcional no caso
de inadimplemento do prêmio
fracionado, além da possibilidade de
rescisão automática e unilateral por
parte da prestadora de serviços
(fl. 46 item 8). Por não haver
concessão de direito equivalente ao
segurado, considera-se nula a rescisão
fundada em inadimplemento,
sob justificativa de tal cláusula.
Ainda, é forçoso reconhecer que só
houve
notificação ao segurado de sua mora
relativa à parcela vencida
(02.09.2007) após comunicação da
ocorrência de sinistro à
seguradora (30.08.2007).
Assim, a mora do devedor em pagar a
parcela do
prêmio não se consolidara antes ou à
época do furto, mas em
momento posterior, pelo que eventual
rescisão não poderia afetar
evento anterior à mora.
Dessa forma, ainda que a seguradora
entenda
(fundando-se em cláusula nula) que a
cobertura proporcional se dera
até 09.06.2007, o fato é que quando da
ocorrência do sinistro o
segurado ainda não se encontrava
notificado da mora, e a apólice
não poderia ser tida como rescindida.
Nesse sentido, o artigo 476 do Código
Civil, bem
como os seguintes julgados:
“SEGURO. CLÁUSULA DE CANCELAMENTO
AUTOMÁTICO DO CONTRATO EM CASO DE
ATRASO NO
PAGAMENTO DO PRÊMIO. INSUBSISTÊNCIA EM
FACE DO
CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR.
AUSÊNCIA DE
INTERPELAÇÃO. PAGAMENTO FEITO NO DIA
SEGUINTE AO
DO VENCIMENTO. É nula a cláusula de
cancelamento
automático da apólice (art. 51, inc.
IV e XI, do CDC). Pagamento
do prêmio efetuado no dia seguinte ao
do vencimento; antes,
pois, de interpelação do segurado
(REsp nº 316.449-SP).
Recurso especial não conhecido.” (REsp
nº 278.064 MS 4ª
Turma j. 20.02.2003).
“CIVIL E PROCESSUAL. ACÓRDÃO ESTADUAL.
NULIDADE NÃO CONFIGURADA. SEGURO. MORA
NO
PAGAMENTO DAS PARCELAS. COBERTURA
NEGADA.
AUSÊNCIA DE INTERPELAÇÃO PARA
CONSTITUIÇÃO EM
MORA. HIGIDEZ DO CONTRATO. INDENIZAÇÃO
DEVIDA. CC
ANTERIOR, ART. 1.092. DL N. 73/1966,
ART. 73.I. Não padece
de nulidade o acórdão estadual que
enfrenta as questões
essenciais ao deslinde da
controvérsia, apenas que trazendo
conclusões adversas à pretensão da
parte autora. II. Sob a égide
do Código Civil anterior, mero atraso
no pagamento de prestação
do prêmio do seguro não importa em
desfazimento ou
suspensão automática do contrato de
seguro, para o que se
exige ou a prévia constituição em mora
do contratante pela
seguradora, ou o ajuizamento da ação
judicial competente. III.
Matéria pacificada no âmbito da
Segunda Seção (Resp n.
316.552/SP, Rel. Min. Aldir Passarinho
Junior, por maioria,
DJU de 12.04.2004). IV. Recurso
especial conhecido em parte e
provido. Ação procedente.” (REsp nº
726.673 SP 4ª Turma
j. 02.09.2008).
Portanto, devida a obrigação a que se
prestou a
seguradora, devendo ser reconhecido no
caso o dever de indenização
decorrente de sinistro.
Por sua vez, não há dano moral
observável no
caso, mas mero aborrecimento
decorrente de infortúnio comum à
vida em civilização. A negativa de
pagamento se fundou em premissa
equivocada, mas não gerou maiores
traumas psicológicos a abalar a
psique do apelante, pelo que
indenização por dano moral inexistente
configuraria enriquecimento ilícito
por parte do apelante.
E, como consequência lógica do
pagamento da
indenização, caso o veículo venha a
ser encontrado e aproveitado,
deve ser ele considerado de
propriedade da seguradora.
Isso porque seu salvado eventual carcaça
ou até
mesmo o veículo em perfeito estado tem
valor comercial, e a
finalidade do contrato de seguro é a
indenização paga ao segurado
em face de determinados eventos. Não
fosse dessa forma, e o salvado
permanecesse com o segurado, este
poderia enriquecer-se com sua
venda, enriquecimento considerado
ilícito porquanto já recebera
indenização pela perda do bem.
Assim, caso o segurado tenha seu
veículo
furtado, a perda do veículo é
indenizada, devendo o salvado, caso
encontrado, ser transferido à propriedade
da seguradora,
adequadamente desembaraçado.
Partilhando de tal entendimento é a
jurisprudência dessa Corte:
“Por fim, a perda
total acarreta ao autor a obrigação de
entregar o salvado ao
primeiro réu e a deste, à seguradora, a que
se condiciona a indenização
deferida.” Apelação
n° 1216374-
0/4 rel. des. Celso Pimentel 28ª
Câmara de Direito Privado
do Tribunal de Justiça do Estado de
São Paulo.
“Embargos de
declaração - Existência de omissão -
Necessidade de
complementação do julgado para declarar que
assiste direito à
seguradora embargante de sub-rogar-se no bem
salvado, devendo a
embargada providenciar o necessário para a
transferência de
propriedade, assinando a documentação
respectiva - Embargos
acolhidos.” Embargos
de declaração nº
979.021-1/7 rel. des. Cesar Lacerda
28ª Câmara de Direito
Privado do Tribunal de Justiça do
Estado de São Paulo.
Da mesma forma, entende-se que o
pagamento
da contraprestação securitária de
forma parcelada não elide o fato de
que por seu total adimplemento o
segurado continua obrigado, ou
seja, mesmo na hipótese de ocorrência
de sinistro, as demais
parcelas do prêmio são devidas, pois
representa o outro lado do
sinalagma, a contraprestação do
pagamento da indenização
securitária, esta dependente do risco
assumido, consubstanciado no
sinistro furto.
Perfeitamente possível e justificável,
assim, o
pleito da seguradora, a fim de ver
descontadas da indenização devida
em função da ocorrência de sinistro as
parcelas do prêmio ainda não
adimplidas, atualizadas monetariamente
e acrescidas de juros
moratórios, ambos a contar de seus
respectivos vencimentos.
Nesse sentido já se posicionou este
relator, na
Apelação nº 9176578-78.2008.8.26.0000,
cuja ementa se transcreve:
“Acidente. Seguro de Veículo.
Ressarcimento de
danos. Cobrança. O atraso no pagamento
do prêmio não
determina a extinção do contrato,
sendo indispensável a prévia
constituição em mora. Pagamento da
indenização securitária
devido, devendo ser deduzido do
'quantum' indenizatório o valor
das parcelas não quitadas Recurso parcialmente
provido.”
Por fim, tem-se que os dispositivos
cuja aplicação
se prequestiona foram devidamente
aplicados ao caso trazido para
apreciação judicial pela prestação
jurisdicional entregue e
complementada.
Ante o exposto, dá-se parcial
provimento ao
recurso, a fim de reformar a r.
sentença, para julgar a ação
parcialmente procedente, e condenar a
apelada ao pagamento da
indenização pactuada na apólice,
atualizada monetariamente desde
o sinistro e acrescida de juros
moratórios a contar da citação. Da
indenização deverão ser descontadas as
parcelas do prêmio ainda
não adimplidas, atualizadas
monetariamente e acrescidas de juros
moratórios desde os respectivos
vencimentos, bem como que
eventual salvado deverá ser
transferido desembaraçado à
seguradora. Tendo o apelante sucumbido
em parte mínima de seu
pedido, arcará a apelada com as
custas, despesas processuais e
honorários de advogado fixados em 10%
sobre o valor da
condenação.
Júlio Vidal
Relator
Fonte: TJSP
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