restaram comprovados nos autos. Hipótese em que, embora não se alegue má-fé por parte da ré, sua atitude causou prejuízo ao autor que deve ser reparado. Responsabilidade que decorre de lei, e não foi excluída pelas partes por meio de cláusula contratual específica. Ação julgada parcialmente procedente em 1º grau. Recurso improvido.
TJSP – 32ª Câm. Direito Privado – Ap. c/ Rev. 1.133.222-0/6 – Rel. Des. Ruy Coppola – j. 03.04.08 – vu.
Acórdão
Vistos, relatados e discutidos estes autos, os desembargadores desta turma julgadora da Seção de Direito Privado do Tribunal de Justiça, de conformidade com o relatório e o voto do relator, que ficam fazendo parte integrante deste julgado, nesta data, negaram provimento ao recurso, por votação unânime.
Des. Ruy Coppola
Relator
Visto.
Trata-se de ação de rescisão contratual restituição de valores e indenização por danos morais, promovida por M.R.B. em face de A.S.S., que foi julgada parcialmente procedente na r. Sentença proferida às fls. 99/103, cujo relatório se adota, para declarar rescindida a venda e compra do veículo, condenando a ré a devolver ao autor o valor de R$ 9.000,00, com juros de mora desde a citação e correção monetária desde 04/12/2001, bem como ao pagamento de indenização por dano moral no valor de R$ 2.000,00, com juros de mora desde a citação e atualização monetária a partir da sentença, e, ainda, ao pagamento de honorários advocatícios fixados em 10% sobre o valor atualizado da condenação, exigíveis somente nos termos do disposto no artigo 12 da Lei n° 1.060/50.
Apela a ré (fls. 107/113), alegando, em resumo: inépcia da inicial, pois dos fatos narrados não se estabelece uma conclusão lógica ou mesmo um pedido; cerceamento de defesa pelo julgamento antecipado da lide; adquiriu o veículo posteriormente vendido ao apelado dois meses antes do negócio celebrado entre as partes; o veículo era caracterizado como táxi e foi baixado desta categoria para particular em 08/08/2001; o veículo passou por duas vistorias em 08/08/2001, uma no DETRAN e outra no DTP; no período em que a apelante ficou na posse do veículo nenhuma irregularidade existiu; o veículo jamais foi colocado a venda em jornais.
Recurso tempestivo e respondido.
Isento de preparo.
É o Relatório.
Alega a ré a inépcia da petição inicial, pois dos fatos narrados não se estabelece uma conclusão lógica ou mesmo um pedido.
Sustenta que a causa de pedir baseia-se na rescisão contratual, cujo objetivo é retornar ao status quo; todavia, não há pedido de devolução do veículo à apelante para a hipótese de rescisão do contrato, apenas pedido de devolução da importância paga pela aquisição do bem.
Como matéria de ordem pública a verificação da higidez da petição inicial se traduz em requisito indispensável a existência da ação e do processo e, desta forma, não se sujeita a preclusão, podendo ser alegada a qualquer tempo e grau de jurisdição ordinária, permitindo, inclusive, o conhecimento de ofício pelo magistrado.
A inicial não é inepta.
Traz a narração dos fatos, os fundamentos jurídicos e a pretensão do autor.
A antecessora desta Câmara já decidiu, em Acórdão por mim relatado, que não existe inépcia da inicial que indica claramente a pretensão do demandante, permitindo
extensa e robusta defesa do réu (Ap. c/ Rev. 712.848-00/9, J. 4.3.2004).
Ademais, na qualidade de fiel depositário do bem por força de decisão judicial (fls. 43/46), cabe ao autor a guarda e conservação do bem depositado, bem como a obrigação de restituí-lo quando lhe for exigido, daí porque inviável a devolução do bem à ré e do pedido correlato.
Do mesmo modo, impertinente a alegação da recorrente no sentido de que houve cerceamento de defesa pelo julgamento antecipado da lide.
O julgamento antecipado da lide consubstanciou qualquer impedimento ao amplo exercício da defesa, pois já estavam presentes nos autos todos os elementos de convicção necessários para o conhecimento e decisão da causa.
O Código de Processo Civil, no tocante a questão da prova, adotou a teoria do livre convencimento motivado ou da persuasão racional do juiz, inexistindo em nossa legislação provas de valor preestabelecido, tendo o magistrado ampla liberdade na análise dos elementos de convicção coligidos aos autos, devendo, em qualquer caso, decidir fundamentadamente.
Tendo toda prova como objetivo a instrução da causa, para permitir a formação do convencimento do juiz, a este cabe conduzir o processo de modo a evitar a produção de
diligências desnecessárias ou inúteis a solução da lide, nos termos do art. 130 do Código de Processo Civil, passando ao julgamento antecipado da lide quando já estiverem presentes elementos suficientes à intelecção das questões debatidas na causa, proporcionando a justa composição da lide.
De relevo anotar que no vertente caso, as partes sequer especificaram as provas que pretendiam produzir, deixando transcorrer in albis a determinação do juízo a quo neste sentido, conforme certificado a fls.79.
Assim, não se vislumbra qualquer indício de cerceamento de defesa nos presentes autos.
No mérito, melhor sorte não assiste à ré.
É incontroverso o negócio entabulado entre as partes (compra e venda do automóvel descrito na inicial).
A prova documental colacionada aos autos com a inicial, não deixa dúvidas acerca da apreensão judicial do veículo pela autoridade policial, assim como da adulteração da
numeração do chassi (conforme laudo pericial do Instituto de Criminalística de fls. 32/34).
Evidente a incidência da evicção, na hipótese dos autos.
Muito embora não se alegue má-fé por parte da ré, é certo que sua atitude causou prejuízo ao autor, que deve ser reparado, com a restituição dos valores desembolsados, para a aquisição do veículo, tal como declarado na r. Decisão monocrática.
Na ação de indenização com fundamento em evicção não há que se perquerir a respeito de eventual culpa do alienante.
Em acréscimo a tal posição, entende a jurisprudência:
"Não demonstrada a expressa exclusão da responsabilidade pela evicção, por cláusula contratual, ao réu é de se impor tal obrigação, pois decorrente de lei".
A respeito do tema, vejam-se os seguintes julgados do extinto Primeiro Tribunal de Alçada Civil:
"RESPONSABILIDADE CIVIL - Evicção – Perda automóvel por apreensão policial - Adulteração de chassis - Irrelevância da culpa do vendedor para gerar o dever de
indenizar - Incidência do art. 447 do novo CC, ou do art. 1107 do CC/16, vigente na ocasião do negócio - Ação procedente neste tópico - Apelação não provida - Recurso desprovido." (Apelação 1.253.941-8 - 2ª Câmara de Férias de Julho 2004 - Rel. Juiz ADEMIR BENEDITO - J. 28.07.04)
"COMPRA E VENDA - Bem móvel - Veículo apreendido por autoridade policial - Evicção configurada – Responsabilidade do alienante evidenciada - Irrelevância de o veículo ainda estar em nome de outrem no momento da alienação - Viabilidade da transferência do seu domínio por simples tradição - Art. 620, do CC - Ação procedente - Recurso improvido." (Apelação 808.553-4 - 12a - Rei. Juiz MATHEUS FONTES - J. 29.06.00)
"COMPRA E VENDA - Bem móvel - Veículo automotor - Apreensão pela autoridade policial para investigação criminal - Chassi adulterado - Adquirente do veículo que faz jus à
indenização contra o vendedor - Apreensão que se equipara em tudo à evicção em razão da perda da coisa pelos meios judiciais - Artigo 1.117, I, do anterior Código Civil - Cabe ao alienante do veículo resguardar o adquirente dos riscos da evicção – Artigo 1.107, "caput", do anterior Código Civil - Pouco importava para o deslinde da causa que o réu houvesse atuado com boa-fé - Alienante que deve garantir o uso e gozo da coisa - Impossibilidade de se cogitar da compensação almejada pelo réu - Apelo desprovido." (Apelação 854.262-7 - 4ª Câmara - Rel. Juiz JOSÉ MARCOS MARRONE - J. 10.12.03)
Os danos morais também, in casu, são de rigor.
Oportuno colacionar a definição de dano moral que nos é apresentada por Savatier como sendo "qualquer sofrimento humano que não é causado por uma perda pecuniária e abrange todo atentado à reputação da vítima, à sua autoridade legítima, ao seu pudor, à sua segurança e tranquilidade, ao seu amor próprio estético, à integridade de sua inteligência, as suas feições, etc." (Traité de la responsabilite civile, vol. II, 525 e segundo Dalmartello, em sua obra Danni morali contrattuali, "tem como elementos caracterizadores a privação ou diminuição daqueles bens que têm um valor precípuo na vida do homem e que são a paz, a tranqüilidade de espírito, a liberdade individual, a integridade física, a honra e os demais sagrados afetos, classificando-os em dano que afeta a parte social do patrimônio moral (honra, reputação, etc); dano que molesta a parte afetiva do patrimônio moral (dor, tristeza, saudade, etc); dano moral que provoca direta ou indiretamente dano patrimonial (cicatriz
deformante, etc) e dano moral puro (dor, tristeza, etc)" (in Revista di diritto Civile, 1933, p. 55, apud Responsabilidade Civil, Rui Stoco, RT, 4ª edição, p. 674).
Trata-se, então, do dano moral puro, caracterizado nos efeitos dolorosos da lesão ocasionada pelo ato ilícito, no sofrimento pessoal e seus reflexos de ordem psíquica,
bem como no modo de vida do autor, gerando alterações consideráveis, tanto no aspecto relativo a sua vida profissional, como no seu relacionamento social.
Não há como negar a frustração e o abalo sentidos pelo autor, ao ter seu veículo apreendido pela autoridade policial, sob a alegação de fraude na numeração do chassi, inclusive confirmada por laudo pericial técnico. Assim deve ser mantida a condenação da apelante nos termos da r. decisão de 1º grau .
Ante o exposto, pelo meu voto, nego provimento ao recurso nos termos acima alinhavados.
Ruy Coppola
Relator
Respeite o direito
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Perez Delgado Sanches
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