Indenização. Danos materiais e morais. Valoração. Indenização
reduzida em razão do casamento da beneficiária. Danos morais a familiares da vítima.
EXTRATOS:
Superveniente casamento da filha. Danos morais.
“Quanto à filha, por outro lado, que terminou admitindo se haver casado em
2005, em relação a ela a indenização vai ser substancialmente reduzida,
suprimida aquela relativa ao dano moral e limitada apenas ao período
antecedente ao casamento, termo final irrecorrido do pensionamento consoante a
sentença, a fl. 2130 (‘ou até a data
em que a co-autora L. contrair núpcias’).”
Terceiros não fazem jus à reparação quando a própria
vítima é indenizada
“Quando a própria vítima é indenizada,
terceiros que sofrem o impacto emocional reflexo não fazem jus à indenização
autônoma, pois são reflexamente compensados pela satisfação decorrente da
indenização concedida à vítima. A dor emocional reflexa é reflexamente
compensada.”
STF. Em caso de lesão corporal deformante,
apenas a
vítima do evento faz jus à indenização por danos morais
“No mesmo sentido os demais precedentes ali mencionados. Inclusive da
Suprema Corte, isto é, em hipótese assemelhada: “o direito positivo
brasileiro só permite a indenização pelo dano moral à pessoa mesma que haja
sofrido lesão corpórea deformante e não a seus pais ou familiares” (RE
95.103.2, rel. Min. Néri da Silveira, j. 7.5.82).”
Cabe ao ofendido, com exclusividade, a indenização, se
não é o caso de falecimento
“Se o caso não é
de falecimento, ao ofendido é que cabe ser prestada a indenização, com
exclusividade.”
A indenização por danos morais recebida pela vítima
prestigia o núcleo familiar como um todo
“(...) a
indenização por danos morais (...) prestou-se
a tornar indene o núcleo familiar, como um todo, sem ensejo para destaque de
qualquer das individualidades que a compunham.”
O tempo aplaca o dano moral
“(...) face à mitigação do sofrimento depois de razoável
interstício: ‘se a ação foi interposta após sete anos da ocorrência do evento
danoso, eis que tal circunstância leva à conclusão de que os requerentes tiveram tempo suficiente para refletir e
suportar a angústia decorrente do infortúnio.’”
“a dor não se prolonga indefinidamente.
O fato de o lesado ter permanecido
muito tempo inerte é particularmente relevante, até mesmo para se negar a
indenização”
Ocorrendo coma não há dano estético a reparar
“Não há dano estético a reparar,
consoante com propriedade anotado a fl. 2235. A vítima se tornou um vegetal,
sequer se apercebe da própria condição, não experimenta vergonha ou
constrangimento por viver prostrada à cama. Não está desfigurada, não ostenta público
aleijão suscetível de desfigurá-la consoante ali anotado, com arrimo em
precedentes. De modo que, estabelecidos o um milhão de reais em atenção também
aos danos estéticos (fl. 2119, “quanto
aos danos morais, que incluem os
estéticos”), e inexistindo estes, ora pelo meu voto ficam
reduzidos a setecentos mil. Montante que não se afigura excessivo.”
O valor dos alimentos em virtude de ato ilícito é
calculado segundo os elementos fornecidos pela vítima ao Imposto de Renda
“O valor do pensionamento, por outro lado, havia mesmo que ter lugar a
partir dos dados fornecidos pela própria vítima ao Imposto de Renda, oficiais e
não puramente hipotéticos.”
É obrigatória a denunciação à lide, apenas quando, de sua
falta, advier a perda do direito de regresso
PROCESSUAL
CIVIL:
Indenização. Danos
materiais e morais. Autora vítima de botulismo. Palmito contaminado
comercializado pela ré. Denunciação à lide: é obrigatória a denunciação apenas
quando, de sua falta, advier a perda do direito de regresso. Código de Defesa
do Consumidor.
EXTRATOS:
É obrigatória a denunciação à lide, apenas quando, de sua
falta, advier a perda do direito de regresso
“A hipótese não era de aplicação do artigo 101, II, do
Código do Consumidor, que a permite em caráter facultativo. Sim, a do
antecedente artigo 88, que em regra a proíbe, ao menos contra o produtor, buscando evitar a inserção de
discussão paralela na demanda aqui, as pendengas entre seguradora e segurada.
Conjugado o primeiro dispositivo com a regra geral do artigo 70, III, do Código
de Processo; obrigatória a
denunciação apenas quando, de sua falta, advier a perda do direito de regresso,
o que aqui não ocorre. A norma em exame (artigo 70, III), aliás, até mais
incisiva do que a da legislação consumerista, já que afirma obrigatória a
denunciação contra quem se tiver que regredir, pela lei ou pelo contrato.”
PRESCRIÇÃO:
Prescrição. Danos materiais e morais. Autora vítima de
botulismo. Palmito contaminado comercializado pela ré.
EXTRATOS:
Não
corre prescrição contra incapazes
“De prescrição (fl.
2201) igualmente não cabia cogitar. Em relação à vítima M. por não
correr contra incapazes. E, quanto à filha L., por não se tratar da
consumidora do produto, acionando a outro título obrigação de cuidar
permanentemente da mãe -, a seu respeito incidindo a prescrição comum,
vintenária, do Código Civil anterior; à
égide do qual ocorrido o evento danoso. Consoante com acerto ponderado a fl.
2259 e no saneador já se decidira.”
APELAÇÃO Nº
0020162-37.2005.8.26.0100 SÃO PAULO VOTO Nº 2/15 (LA)
APELANTE/APELADO:
COMPANHIA BRASILEIRA DE DISTRIBUIÇAO
APDOS/APTES: M.T.S. E
L.T.P.
COMARCA: SÃO PAULO
Responsabilidade civil. Indenização. Danos materiais e morais.
Autora vítima de botulismo, ao consumir palmito contaminado comercializado pela
ré. Procedência bem decretada, improvido o adesivo das autoras buscando majoração
do montante indenitário. Provido em parte o da ré, nos termos do acórdão.
Trata-se de apelação
contra sentença (a fls.2125/2130) de parcial procedência, em ação de
indenização decorrente da incapacitação da primeira autora, após o consumo de
produto estragado comercializado pela ré. Nas razões de irresignação
sustentando esta o descabimento do decisum, pelos fundamentos então
expendidos (fls.2195/2245).
De seu turno
igualmente recorrendo as autoras, em caráter adesivo pleiteiam (fls. 2296/2308)
antecipação de tutela, aumento da indenização e o cômputo dos juros moratórios
a partir da citação, e não do trânsito em julgado.
Recebidos os recursos
a fls. 2249 e 2310, a fls.2250/2293 e 2317/2332 vieram a ser contrarrazoados. A
douta Procuradoria de Justiça se manifestando pelo provimento parcial, apenas, do
das autoras (fls. 2338/2357).
É o relatório.
Meu voto nega
provimento ao recurso adesivo das autoras, provê em parte o apelo da ré.
Rejeita as preliminares objeto de agravo retido.
A autora M., interditada
pela total incapacitação que aqui se seguiu (representada pela filha L., sua
curadora e coautora), segundo a inicial teria, em outubro de 1998, ingerido
palmito contaminado, adquirido em supermercado da ré à Avenida República
doLíbano.
Vítima do botulismo
daí decorrente, entrou em coma vigil, do qual não mais saiu; desde
então passando a ter vida meramente vegetativa, basta examinar as fotografias
de fls. 2364/2367. A incapacitação total e permanente, confirmada por
periciamento médico aqui
levado a cabo (fls.
1319/1340), quanto a ela não havendo qualquer discussão nos autos.
Acionada a ré,
contestou ofertando preliminares (fls. 631/639) repelidas no saneador de fls.
729/730. Objeto de agravo recebido no modo retido, que, no apelo, se
reitera (fl. 2200).
As preliminares foram
corretamente rejeitadas. A de ilegitimidade passiva pretendia-se fosse responsabilizada
a produtora Palmetto, empresa que da Bolívia trouxe o
palmito; enlatado, ao que consta, sem as devidas cautelas -, mais
propriamente, dizendo respeito ao mérito. Ficando demonstrado que a Palmetto
operava sem licença das autoridades, confira-se o quanto assinalado a fl.
2276.
Não deixa de ser
sugestivo, a propósito e como se observou a fls. 2272/2273, que mesmo diante de
tudo isso a ré, para se forrar à responsabilização, no decorrer do processo
adotasse linha diametralmente oposta, passasse a afirmar que o envasamento era
feito com todas as cautelas (fl. 2219). Quando sequer licença
para fazê-lo havia, ficou mais do que demonstrado. Isso, como quer que seja,
dizendo respeito ao mérito.
A denunciação à lide
da seguradora (apelo, fls. 2201), por outro lado, bem igualmente se indeferiu.
A hipótese não era de aplicação do artigo
101, II, do Código do Consumidor, que a permite em caráter facultativo. Sim, a do antecedente artigo 88, que
em regra a proíbe, ao menos contra o produtor, buscando evitar a inserção de discussão paralela na demanda
aqui, as pendengas entre seguradora e segurada. Conjugado o primeiro
dispositivo com a regra geral do artigo 70, III, do Código de Processo; obrigatória a denunciação apenas
quando, de sua falta, advier a perda do direito de regresso, o que aqui não
ocorre. A norma em exame (artigo 70, III), aliás, até mais incisiva do que a da
legislação consumerista, já que afirma obrigatória a denunciação contra quem se tiver que regredir,
pela lei ou pelo contrato. Só que, mesmo em
relação a ela, já se estratificou o entendimento jurisprudencial sob análise.
Isto é:
Quer dizer, requerida
com supedâneo no inciso III (“àquele que estiver obrigado, pela lei ou pelo
contrato, a indenizar, em ação regressiva, o prejuízo do que perder a demanda”)
do artigo 70 do CPC, não possui cunho obrigatório, sua falta não altera nada.
Nessa linha
(apud Theotonio
Negrão, “Código de Processo Civil”, 36ª ed., pg. 177), “a denunciação da
lide torna-se obrigatória na hipótese de perda do direito de regresso prevista
nos incisos I e II do art. 70/CPC, não se fazendo presente essa obrigatoriedade
no caso do inciso III do mesmo dispositivo, onde tal direito permanece íntegro”
(STJ-2ª Turma, REsp 38.792-SP, rel. Min. Peçanha Martins, j. 13.12.96, DJU
28.4.97). Daí porque, “na hipótese do art. 70, inciso III, do CPC, a ação
regressiva subsiste ainda que a denunciação da lide não tenha sido feita” (STJ-2ª
Turma, REsp 78.954-PR, rel. Min. Ari Parglender, j. 18.9.97, DJU 15.9.97, p.
44.338). Ainda, STJ-3ª Turma, REsp 150.310-SP, rel. Min. Castro Filho, j.
17.10.02, DJU 25.11.02, p. 228.
Não cabe, insista-se,
inserir fundamento novo na demanda; numa demanda paralela discutir as
pendengas entre denunciante e denunciado, estes que eventualmente se digladiem
em ação à parte. Nesse sentido (Theotonio, ob. cit., pg. 181), vedando “a
intromissão de fundamento novo, não constante da ação originária”,
arestos em RSTJ 142/346, 14/440, 58/319, 133/277, 154/393, RT-STJ 780/207, RT
492/159, 799/395, RJTJERGS 167/273, 168/216, JTA 98/122.
Assim há de ser,
segundo aqueles precedentes, “pela óbvia
razão de que não é possível reproduzir nos autos uma nova demanda, em que o
reconhecimento do alegado direito de regresso 'requeira análise de fundamento
novo não constante da lide originária' (JTJ 173/169, 260/357), ou
produção de prova pericial e testemunhal, entre denunciante e denunciado (STF-RT
631/255; STJ-Bol. AASP 1849/169j; RT 593/144, 603, 161, 609/117,
610/87, 624/65, 626/165; RJTJ 80/134, 97/309, 98/160, 100/305, 110/293,
111/331; JTJ 160/146, 160/207, 165/186; JTA 103/205; Bol.
AASP 1535/117”.
Inteiramente eventual
e incerto o resultado da demanda secundária, entre litisdenunciado e
litisdenunciante, também por isso o não cabimento da denunciação. Afigurando-se
descabida (RT 598/171; apud Theotonio, pg. 178) “no caso de
mero direito regressivo eventual, a surgir da sentença condenatória do réu”.
De prescrição (fl. 2201) igualmente não cabia
cogitar. Em relação à vítima M. por não correr contra incapazes. E,
quanto à filha L., por não se tratar da consumidora do produto,
acionando a outro título obrigação de cuidar permanentemente da mãe -, a seu respeito
incidindo a prescrição comum, vintenária, do Código Civil anterior; à égide do qual ocorrido o evento
danoso. Consoante com acerto ponderado a fl. 2259 e no saneador já se decidira.
No mérito, a
condenação subsiste, com algumas alterações.
As escusas da ré não
subsistem. Cumprindo assinalar, em relação às testemunhas contraditadas
referidas a fls. 2203/2203, seu testigo em absolutamente nada haver influído na
sorte da demanda. Em relação à mãe porque a prova apta à condenação é de outra
natureza, a sentença sequer se debruçando sobre os depoimentos respectivos, a
eles não fazendo qualquer remissão.
Quando à filha, por outro lado, que terminou
admitindo se haver casado em 2005,
em relação a ela a indenização vai ser substancialmente reduzida, suprimida
aquela relativa ao dano moral e limitada apenas ao período antecedente ao
casamento, termo final irrecorrido do
pensionamento consoante a sentença, a fl. 2130 (“ou até a data em que a
co-autora L. contrair núpcias”).
A condenação
subsiste, no essencial. Fundamental se havendo afigurado a inversão do
ônus da prova havida, à égide da qual decidido o Agravo de Instrumento
601.406-4/0-00, de que fui relator; até para evitar prosperassem
alegações como as aqui lançadas. A ré na cômoda situação de sustentar nada
ter a ver com nada.
Segundo ela (fl.
2004), não haveria prova da compra do palmito contaminado; mesmo
havendo ficado demonstrado ter sido ela a única compradora da
marca em questão (Palmetto), e lote respectivo.
Bem se assinalando, a
fl. 2264 (sua a prova, face à inversão do ônus), sequer possuir controle sobre
os próprios estoques.
Trazido o produto da
Bolívia (fl. 2219), onde as condições de conservação não seriam tão rigorosas
como as da legislação brasileira, raciocina a fl. 2205 com a incúria do
próprio fornecedor, que não teria preenchido corretamente a nota fiscal
de venda, omitindo até o
numeral correto do
lote de produtos adquiridos. Chega a impugnar o exame do Adolfo Lutz ao fundamento
de que a embalagem se acharia violada, pelo simples fato de ter sido
aberta. Queria, como anotado a fls. 2265 e 2267, ao que parece que o palmito
fosse consumido com a lata fechada...
Defende o
indefensável, inteiramente pertinentes as considerações expendidas pela parte
contrária a fl. 2262 e 2264. Não nega (fls. 164/165, consoante anotado pela
Promotoria a fl. 2120) que, consoante relatório de vistoria elaborado
pela Secretaria da Saúde na apuração que se seguiu, pela própria Palmetto teria
sido informado que “o referido lote foi vendido exclusivamente à Cia.
Brasileira de Distribuição (Grupo Pão de Açúcar), conforme declaração
anexa.”
Não nega que, periciado
no Instituto Adolfo Lutz o conteúdo restante da lata que M.viera a
ingerir, o botulismo veio a ser constatado (fls. 74/75; Promotoria,
fl. 2120, cits.). Chega ao cúmulo de sustentar, sem a menor razoabilidade, que
como se o efeito fulminante que se seguiu pudesse ter lugar do dia para
a noite, sem que até então nada tivesse surgido -, trabalhando a vítima com Botox,
de seu labor é que a contaminação tivesse advindo (fl. 2211).
Afirma (fl. 2219)
rigoroso seu sistema de controle. O que entretanto, como com acerto assinalado
a fl. 2275, não a impediu de comprar de quem não tinha a situação
legalizada, importava da Bolívia o que, face às irregularidades em
questão, podia estar bom ou não, pouco se lhe dava.
Alega (fl. 2219,
cit., o “alto padrão de controle”) a Palmetto ser cuidadosa no
exame de seus produtos; quando é certo que sequer era reconhecida como
importadora regular pelas autoridades. De acordo com a sentença (fl. 2128), “não
apresentava licença de funcionamento e nem registro de controle de qualidade
sanitária dos laboratórios oficiais”. E sequer sabia preencher direito uma
nota fiscal, como se viu. Depois se pretendendo raciocinar com a própria
torpeza, afirmar inexistente a prova da aquisição, a partir da própria
falha de preenchimento.
Tais colocações não
resistiam a mais acurado exame. Com propriedade, a fl. 2273, se anotando contra
si ter sido instaurado procedimento próprio pelo Ministério Público, que
culminou com o termo de ajustamento de conduta ali mencionado.
Ficando obrigada justamento porque o não fazia -, ao que dali se
lê, a “exigir do importador de alimentos sujeitos a controle sanitário, por
ocasião de aquisição de produtos alimentícios para revenda e consumo, licença
de funcionamento concedida pelo órgão competente de vigilância sanitária,
no Brasil, bem como documento de registro no Ministério de Saúde”.
Comprometeu-se, mais
(fl. 2274), a “submeter amostras de palmito importado” para análises
laboratoriais, “antes de oferecer ao consumo no mercado brasileiro.”
Tem-se como certo, a
partir daí (parecer da Promotoria, fl. 2120), que “assumiu, imprudentemente,
o risco de causar danos a seus consumidores, na medida em que disponibilizou
produto corrompido e distribuído por empresa sem a devida licença para
funcionar.”
Logo no dia seguinte
ao do consumo, a vítima passou mal, precisou ser hospitalizada, o mal se
propagou rapidamente, tomou seu cérebro e o órgão respiratório. No apelo se
chegando ao cúmulo (fls. 2213/2219) de argüir falha de atendimento médico. Como
se a culpa fosse do hospital responsável. Se entende que é, ela ré que pague e
regrida.
Sua responsabilidade,
nos termos do artigo do Código do Consumidor, no caso é objetiva.
Consoante com acerto ponderado pela Promotoria a fl. 2120, comprou de empresa
em situação irregular palmito importado da Bolívia, não tomou as devidas
cautelas. Não quis fazer acordo nenhum (fl. 2336), abusa agora do direito de
espernear.
Ainda uma vez
contraditoriamente, a fl. 2222 sustentaque a Palmetto cujos cuidados
houvera elogiado a fl. 2219, sem forma e nem figura de juízo teria
admitido a própria culpa, quiçá por prever que poderia ser
descredenciada para futuras aquisições. Mas isso não eliminava a própria
responsabilidade pela descuidada e desastrada aquisição, a solução ainda uma
vez a mesma: pague e regrida. Contra o hospital, o fornecedor, a
seguradora e quem mais lhe aprouver.
A condenação
subsiste. Mas, em relação à indenização, comporta algumas modificações.
A filha e coautora L.,
ainda quando não se vislumbre a alegada litigância de má fé argüida a fl.
2224 ao menos nos primeiros anos, até se casar consoante fls. 2254 e 2278/2281,
teria sido compelida a cuidar da mãe, em tempo integral ou não, prejudicados os
seus estudos. Tem direito a indenização, mas somente até aí. Não faz jus a ressarcimento
a título de dano moral, nos termos do entendimento jurisprudencial ventilado a
fls. 2229/2233.
Não teve como negar o
estado de casada a fl. 2280, desde o final de 2005. E é certo que, segundo a
sentença (a ação foi proposta nesse mesmo ano, como assinalado a fl. 2201,
havendo ocultado essa circunstância), a pensão que paralelamente se lhe deferiu
iria somente até esse termo, o convolar núpcias (fl. 2129). Já atingido, possui
emprego próprio, ainda que o afirme subremunerado; mas opera até pela
Internet, com sofisticada publicidade (fl. 2226). E, como com acerto assinalado
a fl. 2233, na qualidade de curadora e herdeira da mãe interdita, toda a indenização
na prática lhe será repassada. Com direito a remuneração, na
forma dos artigos 1752 § 1º e 1781 do Código Civil. Suficiente o pensionamento
que se estipulou, a rigor, até à contratação de profissional especializado que
lhe faça as vezes ou auxilie, no todo ou em parte.
Não tem direito à
indenização por dano moral. Como está a fl. 2225, casou-se, já é mãe, possui
atividade profissional e renda própria; igualmente não cabendo falar que
o marido não ganha o suficiente, como pretendido a fls. 2279/2281, que se
tornou esteticista e não
fisioterapeuta.
Como com inteiro
acerto posicionado a fls. 2228 e seguintes, com arrimo em aresto do
desembargador Torres de Carvalho então invocado (fls. 2229/2230), descabe a
dupla indenização que aqui teve lugar, um milhão de reais a cada qual das
autoras a título de dano moral (fl. 2130). A indenização à mãe excluindo a da
filha, sob pena de enriquecimento sem causa. Quer dizer (aresto citado,
Apelação 994.05.156837-9, 10ª Câmara de Direito Público, j. 4.4.11), “Indenização.
Pais e irmãos. Quando a própria vítima é indenizada, terceiros que sofrem
o impacto emocional reflexo não fazem jus à indenização autônoma, pois são
reflexamente compensados pela satisfação decorrente da indenização concedida à vítima. A dor emocional reflexa é reflexamente
compensada.
Impossibilidade de
delimitar o círculo de pessoas que, abaladas pelo evento (pais, irmãos, avós,
tios, primos, conhecidos, vizinhos, etc), teriam direito à indenização.
Ademais, a responsabilidade do réu não fica na dependência do número desses
pretensos credores, nem cabe sua condenação em processos sucessivos pelo mesmo
evento, conforme se apresentem.”
No mesmo sentido os demais precedentes ali mencionados.
Inclusive da Suprema Corte, isto é, em hipótese assemelhada:
“o direito positivo brasileiro só permite a
indenização pelo dano moral à pessoa mesma que haja sofrido lesão corpórea
deformante e não a seus pais ou familiares” (RE 95.103.2, rel. Min. Néri da
Silveira, j. 7.5.82).
Deste Tribunal de
Justiça dois iterativos precedentes, nesse mesmo sentido, relatador pelo
desembargador Dyrceu Cintra:
“Indenização autônoma
da mulher deste pelo fato de tê-lo atendido e com ele dividido a dor.
Impossibilidade de reparação autônoma na espécie. Reparação concedida ao
acidentado que já se estende às pessoas que compõem o núcleo familiar, que
participam, por elos afetivos, de seu drama.”
.................................
Quanto à questão do
dano moral à coautora, mulher do lesado no acidente, em que pese a
sensibilidade demonstrada pelo juiz sentenciante para com seu drama pessoal,
especialmente por se haver desdobrado no atendimento do marido, o fato é que
entre nós o tratamento jurídico da questão ainda não atingiu a abrangência por
ele pretendida.
Com efeito, nada
obstante sofram também, com fatos tais a mulher e mesmo os filhos pequenos do
acidentado, tal sofrimento já é confortado ela indenização pela indenização
àquele deferida, a ser usufruída por toda a família.
Se o caso não é de falecimento, ao ofendido é
que cabe ser prestada a indenização, com exclusividade.
A propósito do
assunto, o STF afirmou que só é indenizável por dano material e moral
cumulados, a própria vítima (RE nº 109.441/RJ, Rel. Min. Carlos Madeira).
O chamado dano por
ricochete,
ou prejuízo de afeição, decorrente da repercussão de um dano suportado
por outra pessoa, ou seja, o sofrimento de alguém próximo ou íntimo da vítima
atingida pelo dano direto, encontra na doutrina e na jurisprudência, fortes
resistências em caso de vítima sobrevivente, e com razão” (Apelação
1.050.359-0/8, 36ª
Câmara de Direito
Privado, j. 17.8.06; no mesmo sentido os Embargos Infringentes
499.078-2/0, 5ª Câmara, mesmo relator)
De minha relatoria
nesta Câmara, nesse mesmo sentido, a Apelação Cível nº
9197492-03.2007.8.26.0000 (489.876.4/9-00), de São Paulo. Onde assinalado,
inclusive, que o decurso do tempo até a propositura, mitigando o sofrimento,
pode influir na indenização:
“Responsabilidade
civil Indenização Dano moral Morte de irmão, onze anos antes, imputável à ré Genitora,
entretanto, que ingressou com ação idêntica e ganhou Pagamento intuitu
familiae, à época a autora contando doze anos incompletos Dor moral diluída
ao longo do tempo, pouco importando que, em grau de recurso, antes da
propositura da presente a indenização devida à mãe tenha sido algo diminuída pelo
Tribunal Descabimento da nova demanda, apelo provido para decretar a carência
da ação, prejudicado orecurso adesivo.”
Do acórdão:
“A ré insiste na
carência que, na verdade, envolve apreciação do mérito, com ele se interliga. Tem
razão, o entendimento jurisprudencial ventilado a fls. 266/267 (em RT 811/265)
ao caso bem se aplica. Quer dizer, em princípio não há óbice à propositura,
mormente quando o irmão contribuísse para o sustento (hipótese em que os danos
serão também materiais) da família. Mas aqui isso não sucedia, e indenização
pelo dano moral já fora deferida ao grupo familiar como um todo. Isto é
(acórdão cit., rel. Valdir de Souza José):
“O irmão do falecido é
considerado parte legítima para ajuizar ação de indenização por danos morais,
uma vez que não há disposição legal que restrinja ou limite a legitimidade para
postular tal ação. No entanto, in casu, carece de interesse de agir, uma vez
que em ação precedente o pai já havia obtido a condenação do autor pelo mesmo fato,
sendo certo que à época o autor era menor e formava com o pai um núcleo
familiar.”
Do acórdão:
“Ocorre, contudo, que
a particular hipótese dos autos está a revelar que o recorrente vem falto de
interesse para a postulação. Como seu pai já demandou indenização por danos
morais contra a ré em ação precedente, saindo-se vencedor, a presunção, que não
foi vencida por qualquer prova em contrário produzida pelo apelante, é no sentido
de que aquela indenização a ele aproveitou.
Na época em que o pai
do autor ajuizou a ação referida, contava o autor dez anos de idade,
sendo que, além de intuitivo, é concreto inferir-se que viviam eles em
família”...
É dizer que o vínculo
existente entre o autor e seu pai formava inquestionável “núcleo familiar”.
Vai daí que não há como deixar de considerar
que a indenização por danos morais e que naquela precedente ação foi o ora apelado
condenado a pagar, prestou-se a tornar
indene o núcleo familiar, como um todo, sem ensejo para destaque de qualquer
das individualidades que a compunham.
Sendo assim, ao
ajuizar a presente demanda, vinha o autor falto de interesse para a postulação,
pelo que a definição judicial haveria de ser mesmo pela carência da
postulação.”
Nessa mesma linha a
Apelação 23.541-45, relatada pelo Desembargador Octaviano Santos Lobo, “hipótese
em que os genitores da vítima diretamente atingidos pela morte já obtiveram indenização”.
Assim se concluindo que “o dano indenizável é um só, não tantos
quantos são os familiares”. Ainda a Apelação Cível 40.489-4, relatada
pelo Desembargador Toledo César.
O tempo levado para a
propositura após o acidente (aqui onze anos, ao que se viu), igualmente, há que
ser sopesado; em RT 799/247 se encontrando aresto relatado pelo juiz
Hélio Lobo, bem por isso negando indenização - face à mitigação do sofrimento
depois de razoável interstício: “se a ação foi interposta após
sete anos da ocorrência do
evento danoso, eis
que tal circunstância leva à conclusão de que os requerentes tiveram tempo
suficiente para refletir e suportar a angústia decorrente do infortúnio.”
A propósito, nessa
linha, do juiz Jorge Farah acórdão na Revista dos Tribunais 772/253; hipótese
em que igualmente já tinha havido pagamento da indenização aos pais e filha da
vítima, “fator que impede a formulação de outro pedido pelos demais
familiares”.
José Osório de
Azevedo Júnior, citado por Carlos Roberto Gonçalves em “Responsabilidade
Civil”, 8ª ed., 2003, à pg. 578/579, “preleciona que o tempo decorrido
é, também, um daqueles fatores que o juiz deve levar em consideração, no caso
do dano moral, pois a dor não se prolonga indefinidamente. O
fato de o lesado ter permanecido muito tempo inerte é particularmente
relevante, até mesmo para se negar a indenização”. Naquela obra
colacionados dois precedentes (STJ REsp 153.155-SP, rel. Min. Ruy Rosado de
Aguiar, 4ª Turma, DJU 16.3.98; Apelação 805.111-4, Piracicaba, 9ª
Câmara 1º TACiv, rel. João Carlos Garcia, j. 25.2.99) em que, ajuizada a ação
17 anos depois, não veio a ser aceita.
Após o casamento,
como antes se viu (cf. fl. 2234), teve a filha L.cessado o pensionamento
que se lhe estabeleceu.
Subsistindo o de três
salários mínimos mensais, deferido a fl. 2129, do evento danoso até as núpcias.
Não há dano estético a reparar, consoante com
propriedade anotado a fl. 2235. A vítima se tornou um vegetal, sequer se apercebe
da própria condição, não experimenta vergonha ou constrangimento por viver
prostrada à cama. Não está desfigurada, não ostenta público aleijão suscetível
de desfigurá-la consoante ali anotado, com arrimo em precedentes. De modo que,
estabelecidos o um milhão de reais em atenção também aos danos estéticos (fl.
2119, “quanto aos danos morais, que
incluem os estéticos”), e inexistindo estes, ora pelo meu voto ficam
reduzidos a setecentos mil. Montante que não se afigura excessivo.
Já se deferiu 4000
salários em hipótese de menor repercussão (JTJ 238/99, Des. Rulli Júnior; “simples”
paraplegia), 1000 em tendo remanescido aleijão (fl. cit., JTJ 225/95, Des.
Rui Stoco). 400 pela perda do olfato e paladar (fl. 599, REsp 404.706-SP, STJ,
rel. Min. Rosado de Aguiar, DJU 2.9.02). 500 por contrangimento causado no
acesso a banco (Ap. Civ. 150.523-4/1-00, Des. Rodrigues de Carvalho, j.
13.3.02).
A fixação do
pensionamento em 38,36 salários mínimos mensais, do mesmo modo (fls.
2240/2242), gerou distorção. A vítima auferia à época cerca de
R$.5.000,00, R$.60.000,00 anualmente declarados ao Fisco (fl. 2241). O salário
mínimo de então à ordem de R$.130,00.
Ocorre que o salário
mínimo tem subido mais do que a inflação. Os primitivos R$.5.000,00 atualizados
pela Tabela Prática do Tribunal de Justiça, como está a fl. 2241, à época do
recurso equivaliam a R$.11.712,72. 38,36 salários mínimos à mesma época,
entretanto, chegavam a R$.20.906,20.
Meu voto determina,
mantido o mesmo número de bases salariais (38,36), seja seu valor convertido em
reais à época do sinistro, daí em diante atualizado pela Tabela Prática do
Tribunal. Provido para tanto, igualmente, o apelo.
O voto improvê o
recurso adesivo. Prejudicado no que pertine à antecipação de tutela requerida a
fls. 2296 e 2306, agora o julgado é passível de execução, ao menos provisória.
Improvido quanto ao termo inicial dos juros de mora (fl. 2305), nas
circunstâncias, incidentes sobre o valor do dano moral. Nos termos do julgado
acostado a fl. 2329, do STJ (Recurso Especial 236.066-SP, 2ª Turma, rel. Min.
Franciulli Neto, j. 4.9.03), que bem se aplica ao caso sub judice.
O valor do
pensionamento, por outro lado, havia mesmo que ter lugar a partir dos dados
fornecidos pela própria vítima ao Imposto de Renda, oficiais e não puramente
hipotéticos. Sem razão, data venia, a alegação em contrário de fls.
2302/2305.
Improvido o adesivo,
portanto, ao apelo da ré ora é dado parcial provimento, nos termos do acórdão.
O sucumbimento passando a ser recíproco, arcando a ré com 75% de custas,
despesas processuais e honorários advocatícias (respeitada eventual
gratuidade), as autoras com os restantes 25%, já que ganharam em maior
extensão.
Luiz Ambra
Relator
Fonte:
TJSP
Maria da Glória Perez Delgado Sanches
Membro Correspondente da ACLAC – Academia Cabista de Letras, Artes e Ciências de Arraial do Cabo, RJ.
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