PROCESSO Partes legítimas, dado que titulares dos interesses
em conflito, ou seja, do afirmado na pretensão - direito à indenização por dano
moral reflexo, próprio e individual, por danos causados pela ré à mãe da autora
- e do que a esta resiste - Irrelevante, a propósito, que a autora não integre
o polo ativo da ação já proposta pela mãe dela, a vítima direta dos danos,
quando transportada em coletivo da ré, porque a pessoa lesada tem direito a reclamar,
em ação autônoma, o prejuízo próprio e individual, independentemente da
intervenção de eventuais outros lesados por ação derivada do mesmo ato ilícito.
PRESCRIÇÃO Prestação de serviço de transporte de pessoas
configura relação de consumo, regulada de forma subsidiária pelo CDC, conforme
preceitua o art.732 do CC/02 - Prescrição para reparação de danos no transporte
de passageiros é quinquenal, nos termos do art. 27, do CDC, e não pelo art.
206, § 3º, V, do CC/2002, para eventos danosos ocorridos após a vigênciado
CC/2002, caso dos autos Arguição rejeitada.
RESPONSABILIDADE CIVIL Configurado o inadimplemento
contratual e o defeito do serviço prestado pela transportadora, consistente no
acidente do veículo e que ocasionou lesões físicas à mãe da autora, constituídas
por “fratura do talus direito”, e não caracterizada nenhum excludente de
responsabilidade, de rigor, o reconhecimento da responsabilidade e a condenação
da ré transportadora na obrigação de indenizar a autora, filha de passageira,
pelos danos decorrentes, em forma reflexa, do ilícito em questão.
DANOS MORAIS REFLEXOS As lesões sofridas pela mãe da
autora, constituídas por “fratura no talus direito”, em razão de acidente do
veículo da ré, que resultaram em incapacidade para o trabalho por mais de um
ano, seguidas de várias cirurgias e tratamento médico, sofrimento este da mãe
que foi vivenciado pela filha autora, constituem, por si só, fato ensejador de
dano moral reflexo para a autora, porquanto com gravidade suficiente para
causar desequilíbrio do bem-estar e sofrimento psicológico relevante.
Indenização por danos morais reflexos fixada em R$ 6.220,00
com incidência de correção monetária a partir deste julgamento.
JUROS DE MORA - Os juros de mora são devidos a partir da
citação, acontecida na vigência do CC/2002, no percentual de 12% ao ano, por se
tratar de responsabilidade contratual.
VOTO nº 12.502
Apelação Cível nº 0180868-27.2010.8.26.0000
Comarca: São Paulo 3ª Vara Cível
Apelantes/Apelados: Viação Campo Belo Ltda. e MCS
Recurso da ré desprovido, e recurso da autora provido,em
parte.
Vistos.
Ao relatório da r.
sentença de fls. 166/170 acrescenta-se que a ação foi julgada procedente, “para
o fim de condenar a ré a pagar à autora indenização por danos morais, no
montante de R$ 2.000,00, corrigido a partir da presente data e com juros
moratórios de 1% ao mês, a partir da citação. Condeno a ré no pagamento de
custas, despesas processuais e honorários advocatícios fixados em 10% do valor
da condenação, corrigido nos termos da lei 6.889/81”.
Apelação do réu (fls.
174/184), sustentando, preliminarmente, que: (a) “é patente a ausência de um
dos requisitos da presente ação, qual seja, a legitimidade ativa da apelada,
razão pela qual requer-se a extinção do presente feito, sem julgamento de
mérito”; (b) “a ação em debate prescreve em três anos, independente do fato de
figurar no pólo passivo desta demanda empresa prestadora de serviço de
transporte público”. No mérito alegou;(c) “a apelada não demonstrou qual o seu
prejuízo moral, decorrente de acidente sofrido pela sua mãe”.
Apelação recebida
(fls. 187) e processada, com resposta apresentada pela autora (fls. 208/220).
Apelação da autora
(fls. 189/198) sustentando: (a) “o presente recurso tem por objetivo “apenas” a
majoração do pedido da autora, para o fim que lhe seja assegurado pelo Poder
Judiciário a proteção equivalente ao dano que lhe foi causado”; (b) “No tocando
a atualização da correção monetária e dos juros moratórios, tem o presente
Recurso de Apelação o escopo de que seja determinado que a aplicação de ambos
seja a partir da data do evento danoso até a data do efetivo pagamento da
indenização por danos morais arbitrada, ora também recorrida visando sua
majoração”.
Apelação recebida
(fls.223) e processada, com resposta apresentada pela ré (fls.225/232)
É o relatório.
1. A autora promoveu
“ação de indenização por danos morais” sustentando que: (a) a mãe dela estava
em ônibus da ré quando este se envolveu em acidente, causando-lhe diversas
lesões físicas; (b) “É indescritível
todo o sofrimento
pelo qual passou, em razão de acidente que vitimou sua mãe, em circunstâncias
tais, como do acidente ocorrido, os dissabores que experimentou, é certo que
ficou apreensivo durante todo tratamento, durante todo seu restabelecimento,
como bem salientado a vítima é a única responsável pelos filhos, é viúva e
qualquer acontecimento que a desestabilize, desestabiliza também toda família,
ela é a base familiar, o esteio”; (c) aplicabilidade do CDC.
Na contestação (fls.
78/88), o réu alegou: (a) ilegitimidade ativa, uma vez que a mãe da autora,
vítima no acidente, já propôs ação de reparação de danos; (b) a prescrição, nos
termos do art. 206, § 3º, V, do CC/2002; (c) “o evento em debate se assemelha
ao caso fortuito, que exclui eventual responsabilidade da ré com eventuais
prejuízos ocasionados aos passageiros do coletivo (quanto mais à autora que,
repita-se, não se encontrava no
interior do coletivo
da ré)”; e (d) “a autora não indica, de forma cristalina, os aspectos que
acarretariam o alardeado dano moral ou a eventual responsabilidade da ré de
indenizar. Isso porque não há nos autos demonstração de quais seriam os dissabores
ou infortúnios eventualmente sofridos pela autora em decorrência do sinistro
ocasionado”.
A autora apresentou
réplica (fls 145/160)
Julgando antecipadamente
o feito, o MM Juízo da causa proferiu a r. sentença recorrida.
2. A pretensão
recursal do réu é de reforma da r. sentença, “acolhendo as preliminares
suscitadas ou, alternativamente, no mérito, reformando a r. decisão de 1º grau,
a fim de declarar a total improcedência da ação ajuizada pela apelada, com
respectivo e integral ônus de sucumbência a cargo da recorrido”.
A pretensão recursal
da autora é de reforma da r. sentença, “majorando o quantum indenizatório
desta, e ainda, determinar que os juros de mora, bem como a correção monetária,
sejam devidos a partir da data da ocorrência do fato danoso até a data do
efetivo pagamento”.
3. Reforma-se, em
parte, a r. sentença.
3.1.1. Quanto às
condições da ação, adota-se a
seguinte orientação: (a)
o acolhimento ou não dos pedidos, objeto do conflito de
pretensões, por ser
abstrato o direito de ação, envolve o mérito da demanda e não
matérias relativas à
inépcia da inicial, pressupostos processuais ou às condições da
ação, visto que, nos
termos do CPC, a lide é sempre o mérito da causa, e o direito
material é objeto do
art. 269 e não do 267, VI (neste sentido, as lições de
Humberto Theodoro
Junior, "Processo de Conhecimento", 3ª ed., Forense, 1984,
RJ, p. 57, 60 e
569/572, e Pontes de Miranda, “Comentários ao Código de
Processo Civil”, tomo
III (arts. 154-281), 2ª ed., Forense, 1979, RJ, p. 623/624); e
(b) “Note-se que, para
aferição da legitimidade, não importa saber se procede
ou não a pretensão do
autor; não importa saber se é verdadeira ou não a
descrição do conflito
por ele apresentada. Isso constituirá o próprio
julgamento do mérito.
A
aferição da legitimidade processual antecede
logicamente o
julgamento do mérito. Assim, como regra geral, é parte legítima
para exercer o
direito de ação aquele que afirma titular de determinado
direito que precisa
da tutela jurisdicional, ao passo que será parte legítima,
para figurar no pólo
passivo, aquele a quem caiba a observância do devedor
correlato àquele
hipotético direito.”
(Luiz Rodrigues Wambier e outros, “Curso
Avançado de Processo
Civil Teoria Geral do Processo e Processo de
Conhecimento”, vol.
1, 9ª ed., RT, 2007, SP, p. 137/139, o destaque não consta do
original).
Para ações de
responsabilidade civil, quanto à
legitimidade passiva,
conforme já decidiu a Eg. Segunda Câmara Civil do
Tribunal de Justiça,
em v. Acórdão relatado pelo Desembargador Cezar Peluso,
“(...) no quadro da
concepção dogmática adotada pelo vigente Código de Processo
Civil, a confundir o
plano da realidade, objeto da prova, e o das afirmações, onde
se situa a figura da
legitimidade ad causam. Já demonstrou esta Câmara, em
longo aresto, que a
legitimação para a causa é apenas a titularidade meramente
afirmada do direito
subjetivo, relação, ou estado jurídico, cuja existência ou
inexistência se pretende
tutelar no processo. Donde, à caracterização da
legitimidade passiva,
em ação indenizatória, bastar que dos fatos afirmados pelo
autor decorra
responsabilidade teórica do réu (cf. Agravo de Instrumento n.
127.335-1, Relator
Cezar Peluso, in "RT", vol. 653/111-112). De modo que, se
estão ou não provados
os fatos que lhe imputou a autora, é questão de mérito, cuja
resposta não
desfigura a legitimidade passiva da ré" (in RJTJESP - LEX 135/216-
217).
3.1.2. Quanto aos
pedidos de reparação de danos,
inexiste
litisconsórcio necessário passivo, (CPC, art. 47), mas sim do
litisconsórcio
facultativo, previsto no art. 46, II, do CPC, visto que o lesado tem
direito a reclamar o
prejuízo próprio e individual, independentemente da
intervenção de
eventuais outros responsáveis ou lesados por ação derivada do
mesmo ato ilícito.
Neste sentido, a
orientação de: (a) Humberto
Theodoro Júnior:
“(...) II Direitos e obrigações derivadas do mesmo fundamento
de fato ou de
direito: Este litisconsórcio pode ocorrer em ação derivada de ato
ilícito praticado por
preposto, eis que o proponente também responde
solidariamente pela
reparação de dano; ou em caso em que de um só ato
ilícito decorrem
prejuízos para várias vítimas. Na primeira hipótese, o
prejudicado pode
demandar apenas um dos dois responsáveis, ou ambos
conjuntamente, em
litisconsórcio passivo. Na segunda, cada uma das vítimas
pode propor sua ação
contra o culpado, ou todos podem reunir-se e propor
uma só demanda, em
litisconsórcio ativo. Em ambos os casos, porém, o
litisconsórcio será
apenas facultativo.” (“Curso de Direito Processual Civil”, vol.
I, 49ª ed., Forense,
2008, RJ, p. 114, item nº 101, o destaque não consta do
original); (b) do
julgado do Eg. STJ extraído do respectivo site: “PROCESSUAL
CIVIL. LEGITIMIDADE DO
CONDOMINO PARA PROMOVER AÇÃO
INDENIZATORIA,
INDEPENDENTEMENTE DA FORMAÇÃO DE
LITISCONSORTE COM OS
DEMAIS COMUNHEIROS. Em ação
indenizatória o
litisconsórcio é sempre facultativo, seja ativo ou passivo,
podendo cada um dos
prejudicados, isoladamente (ou em conjunto) pleitear,
em juízo, o direito
ao ressarcimento. Se mais de um for o causador do dano,
poderá o prejudicado
exigir de um só (ou de todos) a titularidade do
pagamento, eis que
existe solidariedade entre os devedores. O litisconsórcio
facultativo pode ser
instituído, ao talante do autor independentemente da
vontade do réu,
porquanto, segundo legislação pertinente, não se revela
possível constranger
alguém a demandar quando não quer. Recurso
conhecido e
improvido” (STJ-1ª Turma, REsp 35946/SP, rel. Min. Demócrito
Reinaldo, v.u., j.
01/12/1993, DJ 21/02/1994 p. 2129, o destaque não consta do
original); e (c) do
julgado extraído do site deste Eg. Tribunal de Justiça:
“ACÓRDÃO
"RESPONSABILIDADE CIVIL-Indenização-Atropelamento com
morte- Pretensão
de incluir no pólo ativo da demanda o genitor da vítima-
Não
acolhimento-Ninguém pode ser compelido a litigar-Interesse e
legitimidade da mãe
para propor ação reconhecidos-Litisconsórcio necessário não
caracterizado-Agravo
não provido, na parte conhecida. VOTO “Quanto à inclusão
do genitor do menor
falecido no pólo ativo da demanda, agiu com acerto a
prolatora da decisão
combatida. Realmente, não é caso de litisconsórcio
necessário (artigo 47
do Código de Processo Civil). Ninguém pode ser
compelido a litigar
(artigo 5o, inciso II, da Constituição Federal)” (12ª Câmara
do extinto 1º TAC,
Agravo de Instrumento nº0024785-32.2000.8.26.0000, rel.
Des. Andrade Marques,
j. 26.09.2000, o destaque não consta do original).
3.1.3. Partindo-se
das premissas supra, observa-se
que, na espécie, na
inicial, a autora pretende a condenação da ré na reparação por
dano moral reflexo,
próprio e individual, em relação às lesões sofridas pela mãe
dela, em acidente,
quando transportada em coletivo da ré.
Isto é o quanto basta
para o reconhecimento de que
as partes são
legítimas, dado que titulares dos interesses em conflito, ou seja, do
afirmado na pretensão
- direito à indenização por dano moral reflexo, próprio e
individual, por danos
causados pela ré à mãe da autora - e do que a esta resiste.
É irrelevante, a
propósito, que a autora não integre o
polo ativo da ação já
proposta pela mãe dela, a vítima direta dos danos, quando
transportada em
coletivo da ré, porque a pessoa lesada tem direito a reclamar, em
ação autônoma, o
prejuízo próprio e individual, independentemente da intervenção
de eventuais outros
lesados por ação derivada do mesmo ato ilícito.
A existência do
direito ou não da autora à pretensão
reclamada na inicial
envolve o mérito da demanda.
Nesse sentido, a
orientação do julgado extraído do
site deste Eg.
Tribunal de Justiça: “Legitimatio 'ad causam' Dano moral
Acidente de trânsito
Caso em que não só a vítima direta do acidente pode
experimentar prejuízo
moral Todos aqueles que, de forma reflexa, são abalados
em decorrência do
dano sofrido pela vítima imediata, igualmente, podem
experimentar prejuízo
moral, passível de indenização Precedentes
jurisprudenciais”
(23ª Câmara de Direito Privado, Apelação nº 991.08.097183-1,
rel. Des. José Marcos
Marrone, v.u., j. 26.05.2010).
3.2. A prestação de
serviço de transporte de pessoas
configura relação de
consumo, regulada de forma subsidiária pelo CDC, conforme
preceitua o art. 732
do CC/02, daí porque as pessoas jurídicas de direito privado,
prestadoras do
serviço público de transporte de passageiros, respondem
objetivamente pelos
danos causados, a teor do art. 734, do CC/2002, e art. 14, do
CDC, e que somente
pode ser elidida por caso fortuito, força maior, culpa
exclusiva da vítima
ou fato exclusivo de terceiro, daí por que o simples
inadimplemento
contratual, por meio do descumprimento da cláusula de
incolumidade, é fato
gerador da responsabilidade, sendo dispensada qualquer
prova de culpa por
parte do transportador ou de seu preposto.
Neste sentido, a
orientação de: (a) de Sérgio
Cavalieri Filho:
“Além da abrangência do conceito de serviço adotado em seu art.
3º, §2º, o Código do
Consumidor tem regra específica no art. 22 e parágrafo único.
Ficou ali
estabelecido que os órgãos públicos, por si ou por suas empresas,
concessionárias, permissionárias
ou sob qualquer outra forma de
empreendimento, além
de serem obrigados a fornecer serviços adequados,
eficientes e seguros,
respondem pelos danos que causarem aos usuários, na
forma prevista no
Código de Defesa do Consumidor. Não há como nem
porque contestar,
portanto, a incidência do Código de Defesa do Consumidor
nos casos de
acidentes ocorridos por ocasião do transporte de passageiros por
se tratar de serviços
públicos. [...]
no que diz respeito à responsabilidade
contratual do
transportador, o Código de Defesa do Consumidor, quase nada
mudou, pois, como já
vimos, essa responsabilidade já era objetiva desde 1912
[refere-se ao Decreto
2.681/12]. O que o Código fez e isso me parece importante
foi mudar o
fundamento dessa responsabilidade, que agora não é mais o contrato
de transporte mas sim
a relação de consumo, contratual ou não. Mudou também
seu fato gerador,
deslocando-o do descumprimento da cláusula de incolumidade
para o vício ou
defeito do serviço consoante art. 14 do Código de Defesa do
Consumidor, que diz:
[...] Esse defeito pode ser de concepção (que se instara
quando o serviço está
sendo realizado), pode ser de prestação (que ocorre quando
o serviço está sendo
idealizado), e ainda de comercialização (por má informação
sobre a utilização do
serviço). Em qualquer caso, entretanto, é irrelevante que
o defeito seja ou não
imprevisível. O fornecedor do serviço terá que indenizar
desde que demonstrada
a relação de causa e efeito entre o defeito do serviço e
o acidente de
consumo, chamado pelo Código de fato do serviço. O Código
Civil, como não
poderia deixar de ser consolidou toda essa evolução jurídica no
texto do art. 734 que
diz (...). O art. 732 do Código Civil de 2002 inovou quanto à
regra de aplicação da
lei geral e especial ao dispor: (...) A regra, como sabido
desde os bancos
escolares, é que a lei especial prevalece sobre a geral, mormente
quando aquela (lei
especial) é de ordem pública. Assim, dada a natureza do de
lei especial, o CDC
deveria prevalecer em eventual conflito com as normas
(gerais) do Código
Civil. Mas o art. 732 do Código Civil, repita-se, inovou
expressamente essa
regra. Na prática, entretanto, nada influirá em relação ao
CDC, porque as normas
do Código Civil não são negativas para os
consumidores, pelo
contrário, em algumas hipóteses são até mais vantajosas,
como no caso de
exclusão de responsabilidade. O CDC, no art. 14, § 3º, item
II, admite a exclusão
da responsabilidade do fornecedor no caso de culpa
exclusiva de
terceiro, ao passo que o Código Civil, em seu art. 735,
expressamente não
admite a exclusão. Esse dispositivo nada mais é que a
positivação da antiga
Súmula 187 do Supremo Tribunal Federal. [...] No que
tange às regras que
enunciam condutas e suas conseqüências, a toda relação de
consumo aplica-se o
Código de Defesa do Consumidor. Porém, se o Código Civil
em vigor a partir de
2003, tem alguma norma que especificamente regula a relação
de consumo, nesse
caso, há de se aplicar a norma do Código Civil, isso porque se
trata de lei mais
recente. Como exemplo, lembro as disposições que temos hoje
sobre o contrato de
transporte de pessoas ou coisas que integram o novo Código
Civil, e que compõem
um capítulo próprio, não constantes do Código Civil de
1916. Ora, todos
sabemos que transporte é uma relação de consumo estabelecida
entre o fornecedor de
um serviço e o consumidor desse serviço. Embora o
legislador tenha
posto isso no Código Civil, na verdade, ele está regulando uma
relação de consumo, à
qual se aplica o Código Civil, não o Código de Defesa do
Consumidor” (Programa
de Responsabilidade Civil, 9ª ed., Atlas, 2010, SP, p.
315/317, o destaque
não consta do original); e
(b) dos julgados do Eg.
STJ extraídos do respectivo
site: (b.1) “(...)
A responsabilidade do transportador em relação aos
passageiros é
contratual e objetiva, nos termos dos arts. 734, caput, 735 e 738,
parágrafo único, do
Código Civil de 2002, somente podendo ser elidida por
fortuito externo,
força maior, fato exclusivo da vítima ou por fato doloso e
exclusivo de terceiro
- quando este não guardar conexidade com a atividade
de transporte. Desse
modo, o simples inadimplemento contratual, por meio
do descumprimento da
cláusula de incolumidade, é fato gerador da
responsabilidade,
sendo dispensada qualquer prova de culpa por parte do
transportador ou de seu
preposto. Nesse
sentido: "PROCESSO CIVIL, CIVIL
E CONSUMIDOR.
TRANSPORTE RODOVIÁRIO DE PESSOAS. ACIDENTE
DE TRÂNSITO. DEFEITO
NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. PRESCRIÇÃO.
PRAZO. ART. 27 DO
CDC. NOVA INTERPRETAÇÃO, VÁLIDA A PARTIR
DA VIGÊNCIA DO NOVO
CÓDIGO CIVIL. - O CC/16 não disciplinava
especificamente o
transporte de pessoas e coisas. Até então, a regulamentação
dessa atividade era
feita por leis esparsas e pelo CCom, que não traziam
dispositivo algum
relativo à responsabilidade no transporte rodoviário de pessoas. -
Diante disso, cabia à
doutrina e à jurisprudência determinar os contornos da
responsabilidade pelo
defeito na prestação do serviço de transporte de passageiros.
Nesse esforço
interpretativo, esta Corte firmou o entendimento de que danos
causados ao viajante,
em decorrência de acidente de trânsito, não importavam em
defeito na prestação
do serviço e; portanto, o prazo prescricional para ajuizamento
da respectiva ação
devia respeitar o CC/16, e não o CDC. - Com o advento do
CC/02, não há mais
espaço para discussão. O art. 734 fixa expressamente a
responsabilidade
objetiva do transportador pelos danos causados às pessoas por
ele transportadas, o
que engloba o dever de garantir a segurança do passageiro, de
modo que ocorrências
que afetem o bem-estar do viajante devem ser classificadas
de defeito na
prestação do serviço de transporte de pessoas. - Como decorrência
lógica, os contratos
de transporte de pessoas ficam sujeitos ao prazo prescricional
específico do art. 27
do CDC. Deixa de incidir, por ser genérico, o prazo
prescricional do
Código Civil. Recurso especial não conhecido." (REsp
958.833/RS, 3ª Turma,
Rel. Min. NANCY ANDRIGHI, DJ de 25/2/2008)
"RECURSO
ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. TRANSPORTE
FERROVIÁRIO.
'PINGENTE'. CULPA CONCORRENTE. PRECEDENTES DA
CORTE. I - É dever da
transportadora preservar a integridade física do passageiro
e transportá-lo com
segurança até o seu destino. II - A responsabilidade da
companhia de
transporte ferroviário não é excluída por viajar a vítima como
'pingente', podendo
ser atenuada se demonstrada a culpa concorrente. Precedentes.
Recurso especial
parcialmente provido." (REsp 226.348/SP, 3ª Turma, Rel. Min.
CASTRO FILHO, DJ de
23/10/2006) (...)” (Ag 1371593/MS, rel. Min. Raul
Araújo, data da
publicação: 26/09/2011, o destaque não consta do original); e
(b.2) “(...) II -
Violação dos arts. 732 e 206 do CC No que se refere à legislação
aplicável ao caso,
cumpre salientar que a prestação de serviço de transporte
de pessoas configura
relação de consumo, regulada de forma subsidiária pelo
CDC, conforme
preceitua o art. 732 do CC/02. Aliás, mesmo na vigência do
CC/16, inexistia
discussão acerca da aplicabilidade do CDC ao serviço de
transporte de
passageiros, havendo controvérsia apenas quanto ao fato da
segurança do viajante
constituir defeito inerente a esse serviço. Contudo, tendo o
novel Código Civil
consignado expressamente a responsabilidade objetiva do
transportador de
pessoas, o que abrange inclusive a incolumidade dos
passageiros,
ocorrências que afetem o bem-estar do viajante podem e
devem ser
classificadas de defeito na prestação do serviço de transporte de
pessoas, nos termos
do art. 14 do CDC. Dessa
forma, encontra-se o acórdão
recorrido em
consonância com a jurisprudência desta Corte, firmada no sentido de
que os contratos de
transporte de pessoas ficam sujeitos ao prazo prescricional
específico do art. 27
do CDC, de 05 (cinco) anos. Deixando de incidir, por ser
genérico, o prazo
prescricional do art. 206, § 3º, V, do CC/02, que substituiria, no
particular, o art.
177 do CC/16” (Ag. 1145672, rel. Min. João Otávio de Noronha,
j. 17.09.09, o
destaque não consta do original).
Pode-se considerar a
autora, ainda, consumidora por
equiparação (art. 17
do CDC), visto que sofreu danos em virtude de acidente de
consumo causado pela
ré.
Nesse sentido, a
orientação: (a) de Sergio Cavalieri
Filho: “A norma do
art. 17 do CDC só se aplica em relação à pessoa física de
alguma forma inserida
em uma cadeia de consumo e que seja vítima de um
acidente de consumo. Na prática forense,
são inúmeros os casos de vítimas de
empréstimos bancário
obtido por estelionatário com documentos falsificados,
cheques falsificados
devolvidos com negativação do nome do correntista,
contratação de
serviços públicos (luz, telefonia) com documentos falsos e assim
por diante.”
(“Programa de Direito do Consumidor”, 2ª ed., Atlas, 2010, SP, p. 65,
item 28.1, o negrito
sublinhado não consta do original); e (b) do julgado extraído
do site do Eg. STJ: “CÓDIGO
DE DEFESA DO CONSUMIDOR.
ACIDENTE AÉREO.
TRANSPORTE DE MALOTES. RELAÇÃO DE
CONSUMO.
CARACTERIZAÇÃO. RESPONSABILIDADE PELO FATO
DO SERVIÇO. VÍTIMA DO
EVENTO. EQUIPARAÇÃO A
CONSUMIDOR. ARTIGO 17
DO CDC.
I - Resta caracterizada relação de
consumo se a aeronave
que caiu sobre a casa das vítimas realizava serviço de
transporte de malotes
para um destinatário final, ainda que pessoa jurídica, uma
vez que o artigo 2º
do Código de Defesa do Consumidor não faz tal distinção,
definindo como
consumidor, para os fins protetivos da lei, "... toda pessoa física
ou jurídica que
adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final".
Abrandamento do rigor
técnico do critério finalista. II - Em decorrência, pela
aplicação conjugada
com o artigo 17 do mesmo diploma legal, cabível, por
equiparação, o
enquadramento do autor, atingido em terra, no conceito de
consumidor. Logo, em tese,
admissível a inversão do ônus da prova em seu favor
. Recurso especial
provido” (STJ-3ª Turma, REsp 540235 /TO, rel. Min. Castro
Filho, v.u., j.
07/02/2006, DJ 06/03/2006 p. 372, o destaque não consta do
original).
3.3. Não merece
reparo a r. sentença, quanto à
rejeição da arguição
da prescrição trienal.
3.3.1. A prestação de
serviço de transporte de
pessoas configura
relação de consumo, regulada de forma subsidiária pelo CDC,
conforme preceitua o
art. 732 do CC/02, daí porque a prescrição para reparação de
danos no transporte
de passageiros é quinquenal, nos termos do art. 27, do CDC, e
não pelo art. 206, §
3º, V, do CC/2002, para eventos danosos ocorridos após a
vigência do CC/2002,
caso dos autos.
Nesse sentido, a
orientação dos julgados extraídos
do site do Eg. STJ: (a)
“AGRAVO DE INSTRUMENTO - ACIDENTE DE
TRÂNSITO - PASSAGEIRO
DE COLETIVO - RELAÇÃO DE CONSUMO -
PRESCRIÇÃO -
APLICAÇÃO DO CDC - RECURSO IMPROVIDO.
DECISÃO (...) O
recurso não merece prosperar. Com efeito. Os elementos
existentes nos autos
dão conta que o Tribunal a quo decidiu pela
caracterização da
relação de consumo entre o passageiro de coletivo da
empresa agravante e
consequente aplicação do prazo prescricional de 5 anos
estabelecido pelo
CDC. Verifica-se
que o acórdão recorrido está em harmonia
com a jurisprudência
desta Corte. Nesse sentido, confira-se o seguinte precedente
assim ementado:
"PROCESSO CIVIL, CIVIL E CONSUMIDOR.
TRANSPORTE RODOVIÁRIO
DE PESSOAS. ACIDENTE DE TRÂNSITO.
DEFEITO NA PRESTAÇÃO
DO SERVIÇO. PRESCRIÇÃO. PRAZO. ART. 27
DO CDC. NOVA
INTERPRETAÇÃO, VÁLIDA A PARTIR DA VIGÊNCIA
DO NOVO CÓDIGO CIVIL.
- O CC/16 não disciplinava especificamente o
transporte de pessoas
e coisas. Até então, a regulamentação dessa atividade era
feita por leis
esparsas e pelo CCom, que não traziam dispositivo algum relativo à
responsabilidade no
transporte rodoviário de pessoas. - Diante disso, cabia à
doutrina e à
jurisprudência determinar os contornos da responsabilidade pelo
defeito na prestação
do serviço de transporte de passageiros. Nesse esforço
interpretativo, esta
Corte firmou o entendimento de que danos causados ao
viajante, em
decorrência de acidente de trânsito, não importavam em defeito na
prestação do serviço
e; portanto, o prazo prescricional para ajuizamento da
respectiva ação devia
respeitar o CC/16, e não o CDC. - Com o advento do
CC/02, não há mais
espaço para discussão. O art. 734 fixa expressamente a
responsabilidade
objetiva do transportador pelos danos causados às pessoas
por ele
transportadas, o que engloba o dever de garantir a segurança do
passageiro, de modo
que ocorrências que afetem o bem-estar do viajante
devem ser
classificadas de defeito na prestação do serviço de transporte de
pessoas. - Como
decorrência lógica, os contratos de transporte de pessoas
ficam sujeitos ao
prazo prescricional específico do art. 27 do CDC. Deixa de
incidir, por ser
genérico, o prazo prescricional do Código Civil. Recurso
especial não
conhecido."(Resp 958.833/RS, Relatora Ministra Nancy Andrighi,
DJ 25.02.2008)
Nega-se, portanto, provimento ao agravo de instrumento.” (Ag
1203289/RJ, rel. Min.
Massami Uyeda, data da publicação: 11/11/2009, o
destaque não consta
do original); e (b) “Trata-se de agravo de instrumento
interposto por SÃO
PAULO TRANSPORTE S/A contra decisão que inadmitiu
recurso especial ante
a não-demonstração da alegada vulneração dos dispositivos
indicados e a
incidência da Súmula n. 7/STJ. (...) É o relatório. Decido. (...)
Passo, pois, à
análise das proposições mencionadas. (...) II - Violação dos arts.
732 e 206 do CC No
que se refere à legislação aplicável ao caso, cumpre
salientar que a
prestação de serviço de transporte de pessoas configura
relação de consumo,
regulada de forma subsidiária pelo CDC, conforme
preceitua o art. 732
do CC/02. Aliás, mesmo na vigência do CC/16, inexistia
discussão acerca da
aplicabilidade do CDC ao serviço de transporte de
passageiros, havendo
controvérsia apenas quanto ao fato da segurança do
viajante constituir
defeito inerente a esse serviço. Contudo, tendo o novel
Código Civil
consignado expressamente a responsabilidade objetiva do
transportador de
pessoas, o que abrange inclusive a incolumidade dos
passageiros,
ocorrências que afetem o bem-estar do viajante podem e
devem ser classificadas
de defeito na prestação do serviço de transporte de
pessoas, nos termos
do art. 14 do CDC. Dessa forma, encontra-se o acórdão
recorrido em
consonância com a jurisprudência desta Corte, firmada no
sentido de que os
contratos de transporte de pessoas ficam sujeitos ao prazo
prescricional
específico do art. 27 do CDC, de 05 (cinco) anos. Deixando de
incidir, por ser
genérico, o prazo prescricional do art. 206, § 3º, V, do CC/02,
que substituiria, no
particular, o art. 177 do CC/16. III Conclusão Ante o
exposto, nego
provimento ao agravo. (Ag 1145672/SP, rel. Min. João Otávio
Noronha, data da
publicação: 22/09/2009, o destaque não consta do original).
3.3.2. Como, na
espécie, a ação de reparação de
danos foi proposta em
18.09.2009 (fls. 02) e é aplicável o prazo prescricional de 5
anos previsto no art.
27, do CC/2002, contado a partir de 11.07.2006, data do
evento danoso, não se
consumou a prescrição.
3.4. Em ação de
responsabilidade civil promovida
contra empresa
prestadora de serviço público de transporte de passageiros,
incumbe: (a) ao autor
o ônus da prova do fato constitutivo de seu direito, nos
termos do art. 333,
I, do CPC, ou seja, do dano e sua condição de passageiro, ou,
no presente caso, a
condição de passageiro da mãe da autora; e (b) ao réu, nos
termos do art. 333,
II, do CPC, demonstrar que o evento danoso se verificou por
caso fortuito, força
maior, culpa exclusiva da vítima ou fato exclusivo de terceiro.
Neste sentido, a
orientação de: (a) Arnaldo Rizzardo:
“Ou seja, domina a
responsabilidade objetiva. Para eximir-se da obrigação de
indenizar, cumpre ao
transportador provar a culpa da vítima, ou caso fortuito ou
de força maior. Para
a vítima ou o lesado, basta provar o transporte e o dano.
A seguinte decisão
bem aprecia a natureza da obrigação: 'tratando-se de acidente
com veículo
pertencente a pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviço
público de transporte
coletivo urbano, impõe-se a análise do feito sob a ótica da
responsabilidade
objetiva, sendo, portanto, desnecessária a prova da culpa do
preposto da empresa
transportadora, mormente se não se desincumbiu esta de
demonstrar que houve
um fator de exclusão de sua responsabilidade, qual seja a
culpa exclusiva da
vítima na produção do evento ou mesmo hipótese de culpa
concorrente, que
pudesse atenuar ou reduzir proporcionalmente a indenização
cabível' ”
(“Responsabilidade civil”, 3ª ed., Forense, 2007, Rio de Janeiro, p. 442);
e (b) Carlos Roberto
Gonçalves: “Pode-se considerar, pois, que o transportador
assume uma obrigação
de resultado: transportar o passageiro são e salvo, e a
mercadoria sem
avarias a seu destino. A não-obtenção desse resultado importa o
inadimplemento das
obrigações assumidas e a responsabilidade pelo dano
ocasionado. Não se
eximirá da responsabilidade provando apenas ausência de
culpa. Incumbe-lhe o
ônus de demonstrar que o evento danoso se verificou
por caso fortuito,
força maior ou por culpa exclusiva da vítima, ou ainda por
fato exclusivo de
terceiro. Denomina-se
cláusula de incolumidade a obrigação
tacitamente assumida
pelo transportador de conduzir o passageiro são e salvo ao
local de destino”
(“Responsabilidade Civil”, 10ª ed., 2ª tir., Saraiva, 2008, SP, p.
311, o destaque não
consta do original).
Quanto ao ônus da
prova em ações do consumidor, a
orientação de
Humberto Theodoro Júnior: “Ao réu, segundo a melhor percepção
do espírito da lei
consumerista, competirá provar, por força da regra sub examine
[refere-se ao art.
6º, VIII, do CDC], não o fato constitutivo do direito do
consumidor, mas
aquilo que possa excluir o fato da esfera da responsabilidade,
diante do quadro
evidenciado no processo, como, v.g., o caso fortuito, a culpa
exclusiva da vítima,
a falta de nexo entre o resultado danoso e o produto
consumidor etc. Sem
prova alguma, por exemplo, da ocorrência do fato
constitutivo do
direito do consumidor (autor), seria diabólico exigir do fornecedor
(réu) a prova
negativa do fato passado fora de sua área de conhecimento e
controle.
Estar-se-ia, na verdade, a impor prova impossível, a pretexto de inversão
do onus probandi, o
que repugna à garantia do devido processo legal, com as
características do
contraditório e ampla defesa. O sistema do art. 6º, VIII, do CDC
só se compatibiliza
com as garantias democráticas do processo se entendido como
critério de apreciação
das provas pelo menos indiciárias, disponíveis no processo.
Não pode ser aplicado
a partir do nada.” (“Curso de Direito Processual Civil”, vol.
I, 49ª ed., Forense,
2008, RJ, p. 433, item nº 422-c).
3.5. Constitui
excludente de responsabilidade do
transportador,
relativamente a danos à pessoa transportada, a ocorrência de
configuração de caso
fortuito externo, ou seja, fato de exclusivo de terceiro,
inteiramente estranho
aos riscos do transporte, sem nenhuma relação com a
atividade prestada,
nem com a organização da prestadora do serviço.
Nesse sentido, a
orientação de Sergio Cavalieri
Filho: “Os modernos
civilistas, tendo em vista a presunção de responsabilidade do
transportador,
dividem o caso fortuito em interno e externo. Entende-se
por
fortuito interno o fato imprevisível,
e, por isso, inevitável, que se liga à
organização da
empresa, que se relaciona com os riscos da atividade
desenvolvida pelo
transportador. O estouro de um pneu do ônibus, o incêndio
do veículo, o mal
súbito do motorista etc. são exemplos do fortuito interno,
por isso que, não
obstante acontecimento imprevisíveis, estão ligados à
organização do
negócio explorado pelo transportador. A empresa noticiou, faz
algum tempo, que o
comandante de um Boeing, em pleno vôo, sofreu um enfarte
fulminante e morreu.
Felizmente, o copiloto assumiu o comando e conseguiu levar
o avião são e salvo
ao seu destino. Eis, aí, um típico caso de fortuito interno. O
fortuito externo é também fato
imprevisível e inevitável, mas estranho à
organização do negócio.
É o fato que não guarda nenhuma ligação com a
empresa, como
fenômenos da Natureza tempestades, enchentes etc. Duas
são, portanto, as
características do fortuito externo: autonomia em relação
aos riscos da empresa
e inevitabilidade, razão pela qual alguns autores o
denominam de força
maior (Agostinho
Alvim, ob. Cit., p. 314-315). Pois bem,
tão forte é a
presunção de responsabilidade do transportador, nem mesmo o
fortuito interno o
exonera do dever de indenizar; só o fortuito externo, isto é,
o fato estranho à
empresa, sem ligação alguma com a organização do negócio.
Esse entendimento
continua sustentável à luz do Código Civil de 2002, cujo art.
734, há pouco visto,
só exclui responsabilidade do transportador no caso de força
maior ou seja,
fortuito externo. O mesmo se diga em relação ao Código do
Consumidor, no qual,
para que se configure a responsabilidade do fornecedor de
serviço (art.14),
basta que o acidente de consumo tenha por causa um defeito do
serviço, sendo irrelevante
se o defeito é de concepção, de prestação ou
comercialização, e
nem ainda se previsível ou não. Decorrendo o acidente de um
defeito do serviço,
previsível ou não, haverá sempre o dever de indenizar do
transportador. Entre
as causas de exclusão de responsabilidade do fornecedor de
serviços, o Código de
Defesa do Consumidor (art. 14, § 3º) não se referiu ao caso
fortuito e à força
maior, sendo assim possível entender que apenas o fortuito
externo o exonera do
dever de indenizar.” (“Programa de Responsabilidade Civil”,
9ª ed., Atlas, 2010,
SP, p. 318/319, item 93.1.).
3.6. Diante das
alegações das partes e da prova
constante dos autos,
reconhece-se que: (a) a autora demonstrou a condição de
passageira de sua
genitora, bem como que esta sofreu lesões em razão de acidente
com o veículo que a
transportava; e (b) a ré não produziu prova de fortuito externo
configurador de
excludente de responsabilidade.
Os documentos de fls.
54/70 demonstram que as
lesões sofridas pela
mãe da autora no evento danoso exigiram a realização de
várias cirurgias e
tratamento fisioterápico.
Nenhuma prova
produzida permite o
reconhecimento da
culpa exclusiva de terceiro ou culpa exclusiva ou parcial do
autor, nem mesmo a
ocorrência de caso fortuito ou força maior, para excluir a
responsabilidade do
réu.
3.7. Configurado o
inadimplemento contratual e o
defeito do serviço
prestado pela transportadora, consistente no acidente do veículo
e que ocasionou
lesões físicas à mãe da autora, constituídas por “fratura do talus
direito”, e não
caracterizada nenhum excludente de responsabilidade, de rigor, o
reconhecimento da
responsabilidade e a condenação da ré transportadora na
obrigação de
indenizar a autora, filha de passageira, pelos danos decorrentes, em
forma reflexa, do
ilícito em questão.
3.8. Reforma-se a r.
sentença, quanto aos danos
morais, para fixar a
respectiva indenização na quantia de R$6.220,00, com
incidência de
correção monetária a partir deste julgamento e juros de mora a partir
da citação.
3.8.1. As lesões
sofridas pela mãe da autora,
constituídas por
“fratura no talus direito”, em razão de acidente do veículo da ré,
que resultaram em
incapacidade para o trabalho por mais de um ano (cf.
documento do INSS de
fls. 53), seguidas de várias cirurgias e tratamento médico
(cf. documentos de
fls. 54/70), sofrimento este da mãe que foi vivenciado pela
filha autora,
constituem, por si só, fato ensejador de dano moral reflexo para a
autora, porquanto com
gravidade suficiente para causar desequilíbrio do bem-estar
e sofrimento
psicológico relevante.
“Está assentado na
jurisprudência da Corte que "não
há que se falar em
prova do dano moral, mas, sim, na prova do fato que gerou a
dor, o sofrimento,
sentimentos íntimos que o ensejam. Provado assim o fato,
impõe-se a
condenação, sob pena de violação ao art. 334 do Código de Processo
Civil” (STJ-3ª Turma,
REsp 204786/SP, rel. Min. Carlos Alberto Menezes
Direito, v.u., j.
07.12.1999, DJ 12.01.1999, JBCC vol. 188 p. 249, , conforme site
do Eg. STJ).
3.8.2. Quanto à
quantificação da indenização por
danos morais,
adota-se a seguinte orientação: (a) O arbitramento de indenização
por dano moral
reconhecido deve considerar a condição pessoal e econômica do
autor, a
potencialidade do patrimônio do réu, bem como as finalidades
sancionadora e
reparadora da indenização, mostrando-se justa e equilibrada a
compensação pelo dano
experimentado, sem implicar em enriquecimento sem
causa da lesada; e (b)
“A fixação do valor da indenização, devida a título de danos
morais, não fica
adstrita aos critérios do Código Brasileiro de Telecomunicações”
(STJ-4ª Turma, AgRg
no Ag 627816/MG, rel. Min. Fernando Gonçalves, v.u., j.
03/02/2005, DJ
07.03.2005 p. 276, , conforme site do Eg. STJ).
3.8.3. “Quanto ao
emprego do salário mínimo como
critério de indexação
do valor da indenização, o recurso merece parcial acolhida.
Reproduzo, por
esclarecedora, a ementa do RE 409.427-AgR, Relator Ministro
Carlos Velloso:
"CONSTITUCIONAL. INDENIZAÇÃO: SALÁRIO-MÍNIMO.
C.F., art. 7º, IV. I.
- Indenização vinculada ao salário-mínimo: impossibilidade.
C.F., art. 7º, IV. O
que a Constituição veda -- art. 7º, IV -- é a fixação do quantum
da indenização em
múltiplo de salários-mínimos. STF, RE 225.488/PR, Moreira
Alves; ADI 1.425. A
indenização pode ser fixada, entretanto, em saláriosmínimos,
observado o valor
deste na data do julgamento. A partir daí, esse
quantum será
corrigido por índice oficial. II. - Provimento parcial do agravo: RE
conhecido e provido,
em parte." Cito, no mesmo sentido, os REs 270.161,
Relatora Ministra
Ellen Gracie; 225.488, Relator Ministro Moreira Alves; e
338.760 Relator
Ministro Sepúlveda Pertence. Assim, frente ao art. 557, § 1º-A,
do CPC, dou parcial
provimento ao recurso apenas para desvincular o quantum
indenizatório do
valor do salário mínimo, devendo ser considerado o vigente na
data da condenação, a
ser atualizado monetariamente pelos índices legais.
Publique-se.
Brasília, 26 de outubro de 2004. Ministro CARLOS AYRES
BRITTO Relator” (RE
430411 / RJ, rel. Min. Carlos Ayres Britto, DJ 30/11/2004
PP-00110, conforme
site do Eg. STF).
“A correção monetária
do valor da indenização do
dano moral incide
desde a data do arbitramento” (Súmula 362/STJ).
3.8.4. Considerando
os parâmetros supra indicados e
buscando assegurar
aos lesados a justa reparação, sem incorrer em enriquecimento
ilícito, mostra-se,
na espécie, razoável a fixação da indenização de danos morais
na quantia
correspondente a 10 salários mínimos no valor vigente atualmente, ou
seja, R$6.220,00, com
correção monetária a partir da data deste julgamento.
Observa-se que, na
data deste julgamento, o valor do
salário mínimo é de
R$622,00.
3.9. Os juros de mora
são devidos a partir da citação,
acontecida na
vigência do CC/2002, no percentual de 12% ao ano, por se tratar de
responsabilidade
contratual,
Nesse sentido, a
orientação dos julgados do Eg. STJ
extraídos do
respectivo site: “CIVIL E PROCESSUAL. AGRAVO
REGIMENTAL. ACIDENTE.
ÔNIBUS. AMPUTAÇÃO DE BRAÇO.
PERÍCIA. PROVAS.
REEXAME DE PROVAS. IMPOSSÍVEL. SÚMULA N.
7/STJ. DANO MORAL.
VALOR RAZOÁVEL. ENRIQUECIMENTO ILÍCITO.
INEXISTÊNCIA.
RESPONSABILIDADE CONTRATUAL. JUROS.
TERMO INICIAL. A
PARTIR DA CITAÇÃO. PERCENTUAL.
CÓDIGO
CIVIL VIGENTE À
ÉPOCA. AGRAVO PARCIALMENTE PROVIDO. I.
Quanto à questão de
prova pericial, o STJ recebe o quadro probatório tal como
delineado pelo
Tribunal Estadual e a sua revisão importa em rever o conjunto
fático dos autos,
vedado pela Súmula n. 7 II. Tratando-se de responsabilidade
contratual, como no
presente caso, os juros de mora incidem a partir da
citação, pela taxa de
0,5% ao mês (art. 1.062 do Código Civil de 1916) até o
dia 10.1.2003, e, a
partir de 11.1.2003, quando da entrada em vigor do Código
Civil/2002, à taxa de
1%, conforme o artigo 406 do Código Civil/2002. III.
Agravo regimental
parcialmente provido.” (STJ-4ª Turma, AgRg no Ag
791802/RJ, rel. Min.
Aldir Passarinho Junior, v.u., j. 11/12/2007, DJ 18/02/2008
p. 33).
4. O provimento, em
parte, do recurso não tem
reflexo nos encargos
de sucumbência, visto que mínima a alteração do julgado.
Anota-se que: “Na
ação de indenização por dano
moral, a condenação
em montante inferior ao postulado na inicial não implica
sucumbência
recíproca.” (Súmula 326/STJ).
5. Em resumo,
respeitado o entendimento do MM
Juiz sentenciante, o
recurso da ré deve ser desprovido e o recurso da autora deve
ser provido, em
parte, para, mantida, no mais, para reformar a r. sentença, para,
fixar a indenização
por danos morais na quantia de R$6.220,00, com incidência de
correção monetária a
partir da data deste julgamento.
Ante o exposto e para
os fins acima, nega-se
provimento ao recurso
da ré, e dá-se provimento, em parte, ao recurso da
autora.
Manoel Ricardo
Rebello Pinho
Relator
Fonte:
TJSP
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