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quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Mãe de acidentada em transporte urbano tem direito a indenização por dano moral reflexo


PROCESSO Partes legítimas, dado que titulares dos interesses em conflito, ou seja, do afirmado na pretensão - direito à indenização por dano moral reflexo, próprio e individual, por danos causados pela ré à mãe da autora - e do que a esta resiste - Irrelevante, a propósito, que a autora não integre o polo ativo da ação já proposta pela mãe dela, a vítima direta dos danos, quando transportada em coletivo da ré, porque a pessoa lesada tem direito a reclamar, em ação autônoma, o prejuízo próprio e individual, independentemente da intervenção de eventuais outros lesados por ação derivada do mesmo ato ilícito.

PRESCRIÇÃO Prestação de serviço de transporte de pessoas configura relação de consumo, regulada de forma subsidiária pelo CDC, conforme preceitua o art.732 do CC/02 - Prescrição para reparação de danos no transporte de passageiros é quinquenal, nos termos do art. 27, do CDC, e não pelo art. 206, § 3º, V, do CC/2002, para eventos danosos ocorridos após a vigênciado CC/2002, caso dos autos Arguição rejeitada.
RESPONSABILIDADE CIVIL Configurado o inadimplemento contratual e o defeito do serviço prestado pela transportadora, consistente no acidente do veículo e que ocasionou lesões físicas à mãe da autora, constituídas por “fratura do talus direito”, e não caracterizada nenhum excludente de responsabilidade, de rigor, o reconhecimento da responsabilidade e a condenação da ré transportadora na obrigação de indenizar a autora, filha de passageira, pelos danos decorrentes, em forma reflexa, do ilícito em questão.
DANOS MORAIS REFLEXOS As lesões sofridas pela mãe da autora, constituídas por “fratura no talus direito”, em razão de acidente do veículo da ré, que resultaram em incapacidade para o trabalho por mais de um ano, seguidas de várias cirurgias e tratamento médico, sofrimento este da mãe que foi vivenciado pela filha autora, constituem, por si só, fato ensejador de dano moral reflexo para a autora, porquanto com gravidade suficiente para causar desequilíbrio do bem-estar e sofrimento psicológico relevante.
Indenização por danos morais reflexos fixada em R$ 6.220,00 com incidência de correção monetária a partir deste julgamento.
JUROS DE MORA - Os juros de mora são devidos a partir da citação, acontecida na vigência do CC/2002, no percentual de 12% ao ano, por se tratar de responsabilidade contratual.

VOTO nº 12.502
Apelação Cível nº 0180868-27.2010.8.26.0000
Comarca: São Paulo 3ª Vara Cível
Apelantes/Apelados: Viação Campo Belo Ltda. e MCS


Recurso da ré desprovido, e recurso da autora provido,em parte.
Vistos.
Ao relatório da r. sentença de fls. 166/170 acrescenta-se que a ação foi julgada procedente, “para o fim de condenar a ré a pagar à autora indenização por danos morais, no montante de R$ 2.000,00, corrigido a partir da presente data e com juros moratórios de 1% ao mês, a partir da citação. Condeno a ré no pagamento de custas, despesas processuais e honorários advocatícios fixados em 10% do valor da condenação, corrigido nos termos da lei 6.889/81”.
Apelação do réu (fls. 174/184), sustentando, preliminarmente, que: (a) “é patente a ausência de um dos requisitos da presente ação, qual seja, a legitimidade ativa da apelada, razão pela qual requer-se a extinção do presente feito, sem julgamento de mérito”; (b) “a ação em debate prescreve em três anos, independente do fato de figurar no pólo passivo desta demanda empresa prestadora de serviço de transporte público”. No mérito alegou;(c) “a apelada não demonstrou qual o seu prejuízo moral, decorrente de acidente sofrido pela sua mãe”.
Apelação recebida (fls. 187) e processada, com resposta apresentada pela autora (fls. 208/220).
Apelação da autora (fls. 189/198) sustentando: (a) “o presente recurso tem por objetivo “apenas” a majoração do pedido da autora, para o fim que lhe seja assegurado pelo Poder Judiciário a proteção equivalente ao dano que lhe foi causado”; (b) “No tocando a atualização da correção monetária e dos juros moratórios, tem o presente Recurso de Apelação o escopo de que seja determinado que a aplicação de ambos seja a partir da data do evento danoso até a data do efetivo pagamento da indenização por danos morais arbitrada, ora também recorrida visando sua majoração”.
Apelação recebida (fls.223) e processada, com resposta apresentada pela ré (fls.225/232)
É o relatório.
1. A autora promoveu “ação de indenização por danos morais” sustentando que: (a) a mãe dela estava em ônibus da ré quando este se envolveu em acidente, causando-lhe diversas lesões físicas; (b) “É indescritível
todo o sofrimento pelo qual passou, em razão de acidente que vitimou sua mãe, em circunstâncias tais, como do acidente ocorrido, os dissabores que experimentou, é certo que ficou apreensivo durante todo tratamento, durante todo seu restabelecimento, como bem salientado a vítima é a única responsável pelos filhos, é viúva e qualquer acontecimento que a desestabilize, desestabiliza também toda família, ela é a base familiar, o esteio”; (c) aplicabilidade do CDC.
Na contestação (fls. 78/88), o réu alegou: (a) ilegitimidade ativa, uma vez que a mãe da autora, vítima no acidente, já propôs ação de reparação de danos; (b) a prescrição, nos termos do art. 206, § 3º, V, do CC/2002; (c) “o evento em debate se assemelha ao caso fortuito, que exclui eventual responsabilidade da ré com eventuais prejuízos ocasionados aos passageiros do coletivo (quanto mais à autora que, repita-se, não se encontrava no
interior do coletivo da ré)”; e (d) “a autora não indica, de forma cristalina, os aspectos que acarretariam o alardeado dano moral ou a eventual responsabilidade da ré de indenizar. Isso porque não há nos autos demonstração de quais seriam os dissabores ou infortúnios eventualmente sofridos pela autora em decorrência do sinistro ocasionado”.
A autora apresentou réplica (fls 145/160)
Julgando antecipadamente o feito, o MM Juízo da causa proferiu a r. sentença recorrida.
2. A pretensão recursal do réu é de reforma da r. sentença, “acolhendo as preliminares suscitadas ou, alternativamente, no mérito, reformando a r. decisão de 1º grau, a fim de declarar a total improcedência da ação ajuizada pela apelada, com respectivo e integral ônus de sucumbência a cargo da recorrido”.
A pretensão recursal da autora é de reforma da r. sentença, “majorando o quantum indenizatório desta, e ainda, determinar que os juros de mora, bem como a correção monetária, sejam devidos a partir da data da ocorrência do fato danoso até a data do efetivo pagamento”.
3. Reforma-se, em parte, a r. sentença.
3.1.1. Quanto às condições da ação, adota-se a
seguinte orientação: (a) o acolhimento ou não dos pedidos, objeto do conflito de
pretensões, por ser abstrato o direito de ação, envolve o mérito da demanda e não
matérias relativas à inépcia da inicial, pressupostos processuais ou às condições da
ação, visto que, nos termos do CPC, a lide é sempre o mérito da causa, e o direito
material é objeto do art. 269 e não do 267, VI (neste sentido, as lições de
Humberto Theodoro Junior, "Processo de Conhecimento", 3ª ed., Forense, 1984,
RJ, p. 57, 60 e 569/572, e Pontes de Miranda, “Comentários ao Código de
Processo Civil”, tomo III (arts. 154-281), 2ª ed., Forense, 1979, RJ, p. 623/624); e
(b) Note-se que, para aferição da legitimidade, não importa saber se procede
ou não a pretensão do autor; não importa saber se é verdadeira ou não a
descrição do conflito por ele apresentada. Isso constituirá o próprio
julgamento do mérito. A aferição da legitimidade processual antecede
logicamente o julgamento do mérito. Assim, como regra geral, é parte legítima
para exercer o direito de ação aquele que afirma titular de determinado
direito que precisa da tutela jurisdicional, ao passo que será parte legítima,
para figurar no pólo passivo, aquele a quem caiba a observância do devedor
correlato àquele hipotético direito.” (Luiz Rodrigues Wambier e outros, “Curso
Avançado de Processo Civil Teoria Geral do Processo e Processo de
Conhecimento”, vol. 1, 9ª ed., RT, 2007, SP, p. 137/139, o destaque não consta do
original).
Para ações de responsabilidade civil, quanto à
legitimidade passiva, conforme já decidiu a Eg. Segunda Câmara Civil do
Tribunal de Justiça, em v. Acórdão relatado pelo Desembargador Cezar Peluso,
“(...) no quadro da concepção dogmática adotada pelo vigente Código de Processo
Civil, a confundir o plano da realidade, objeto da prova, e o das afirmações, onde
se situa a figura da legitimidade ad causam. Já demonstrou esta Câmara, em
longo aresto, que a legitimação para a causa é apenas a titularidade meramente
afirmada do direito subjetivo, relação, ou estado jurídico, cuja existência ou
inexistência se pretende tutelar no processo. Donde, à caracterização da
legitimidade passiva, em ação indenizatória, bastar que dos fatos afirmados pelo
autor decorra responsabilidade teórica do réu (cf. Agravo de Instrumento n.
127.335-1, Relator Cezar Peluso, in "RT", vol. 653/111-112). De modo que, se
estão ou não provados os fatos que lhe imputou a autora, é questão de mérito, cuja
resposta não desfigura a legitimidade passiva da ré" (in RJTJESP - LEX 135/216-
217).
3.1.2. Quanto aos pedidos de reparação de danos,
inexiste litisconsórcio necessário passivo, (CPC, art. 47), mas sim do
litisconsórcio facultativo, previsto no art. 46, II, do CPC, visto que o lesado tem
direito a reclamar o prejuízo próprio e individual, independentemente da
intervenção de eventuais outros responsáveis ou lesados por ação derivada do
mesmo ato ilícito.
Neste sentido, a orientação de: (a) Humberto
Theodoro Júnior: “(...) II Direitos e obrigações derivadas do mesmo fundamento
de fato ou de direito: Este litisconsórcio pode ocorrer em ação derivada de ato
ilícito praticado por preposto, eis que o proponente também responde
solidariamente pela reparação de dano; ou em caso em que de um só ato
ilícito decorrem prejuízos para várias vítimas. Na primeira hipótese, o
prejudicado pode demandar apenas um dos dois responsáveis, ou ambos
conjuntamente, em litisconsórcio passivo. Na segunda, cada uma das vítimas
pode propor sua ação contra o culpado, ou todos podem reunir-se e propor
uma só demanda, em litisconsórcio ativo. Em ambos os casos, porém, o
litisconsórcio será apenas facultativo.” (“Curso de Direito Processual Civil”, vol.
I, 49ª ed., Forense, 2008, RJ, p. 114, item nº 101, o destaque não consta do
original); (b) do julgado do Eg. STJ extraído do respectivo site: “PROCESSUAL
CIVIL. LEGITIMIDADE DO CONDOMINO PARA PROMOVER AÇÃO
INDENIZATORIA, INDEPENDENTEMENTE DA FORMAÇÃO DE
LITISCONSORTE COM OS DEMAIS COMUNHEIROS. Em ação
indenizatória o litisconsórcio é sempre facultativo, seja ativo ou passivo,
podendo cada um dos prejudicados, isoladamente (ou em conjunto) pleitear,
em juízo, o direito ao ressarcimento. Se mais de um for o causador do dano,
poderá o prejudicado exigir de um só (ou de todos) a titularidade do
pagamento, eis que existe solidariedade entre os devedores. O litisconsórcio
facultativo pode ser instituído, ao talante do autor independentemente da
vontade do réu, porquanto, segundo legislação pertinente, não se revela
possível constranger alguém a demandar quando não quer. Recurso
conhecido e improvido” (STJ-1ª Turma, REsp 35946/SP, rel. Min. Demócrito
Reinaldo, v.u., j. 01/12/1993, DJ 21/02/1994 p. 2129, o destaque não consta do
original); e (c) do julgado extraído do site deste Eg. Tribunal de Justiça:
“ACÓRDÃO "RESPONSABILIDADE CIVIL-Indenização-Atropelamento com
morte- Pretensão de incluir no pólo ativo da demanda o genitor da vítima-
Não acolhimento-Ninguém pode ser compelido a litigar-Interesse e
legitimidade da mãe para propor ação reconhecidos-Litisconsórcio necessário não
caracterizado-Agravo não provido, na parte conhecida. VOTO “Quanto à inclusão
do genitor do menor falecido no pólo ativo da demanda, agiu com acerto a
prolatora da decisão combatida. Realmente, não é caso de litisconsórcio
necessário (artigo 47 do Código de Processo Civil). Ninguém pode ser
compelido a litigar (artigo 5o, inciso II, da Constituição Federal)” (12ª Câmara
do extinto 1º TAC, Agravo de Instrumento nº0024785-32.2000.8.26.0000, rel.
Des. Andrade Marques, j. 26.09.2000, o destaque não consta do original).
3.1.3. Partindo-se das premissas supra, observa-se
que, na espécie, na inicial, a autora pretende a condenação da ré na reparação por
dano moral reflexo, próprio e individual, em relação às lesões sofridas pela mãe
dela, em acidente, quando transportada em coletivo da ré.
Isto é o quanto basta para o reconhecimento de que
as partes são legítimas, dado que titulares dos interesses em conflito, ou seja, do
afirmado na pretensão - direito à indenização por dano moral reflexo, próprio e
individual, por danos causados pela ré à mãe da autora - e do que a esta resiste.
É irrelevante, a propósito, que a autora não integre o
polo ativo da ação já proposta pela mãe dela, a vítima direta dos danos, quando
transportada em coletivo da ré, porque a pessoa lesada tem direito a reclamar, em
ação autônoma, o prejuízo próprio e individual, independentemente da intervenção
de eventuais outros lesados por ação derivada do mesmo ato ilícito.
A existência do direito ou não da autora à pretensão
reclamada na inicial envolve o mérito da demanda.
Nesse sentido, a orientação do julgado extraído do
site deste Eg. Tribunal de Justiça: “Legitimatio 'ad causam' Dano moral
Acidente de trânsito Caso em que não só a vítima direta do acidente pode
experimentar prejuízo moral Todos aqueles que, de forma reflexa, são abalados
em decorrência do dano sofrido pela vítima imediata, igualmente, podem
experimentar prejuízo moral, passível de indenização Precedentes
jurisprudenciais” (23ª Câmara de Direito Privado, Apelação nº 991.08.097183-1,
rel. Des. José Marcos Marrone, v.u., j. 26.05.2010).
3.2. A prestação de serviço de transporte de pessoas
configura relação de consumo, regulada de forma subsidiária pelo CDC, conforme
preceitua o art. 732 do CC/02, daí porque as pessoas jurídicas de direito privado,
prestadoras do serviço público de transporte de passageiros, respondem
objetivamente pelos danos causados, a teor do art. 734, do CC/2002, e art. 14, do
CDC, e que somente pode ser elidida por caso fortuito, força maior, culpa
exclusiva da vítima ou fato exclusivo de terceiro, daí por que o simples
inadimplemento contratual, por meio do descumprimento da cláusula de
incolumidade, é fato gerador da responsabilidade, sendo dispensada qualquer
prova de culpa por parte do transportador ou de seu preposto.
Neste sentido, a orientação de: (a) de Sérgio
Cavalieri Filho: “Além da abrangência do conceito de serviço adotado em seu art.
3º, §2º, o Código do Consumidor tem regra específica no art. 22 e parágrafo único.
Ficou ali estabelecido que os órgãos públicos, por si ou por suas empresas,
concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de
empreendimento, além de serem obrigados a fornecer serviços adequados,
eficientes e seguros, respondem pelos danos que causarem aos usuários, na
forma prevista no Código de Defesa do Consumidor. Não há como nem
porque contestar, portanto, a incidência do Código de Defesa do Consumidor
nos casos de acidentes ocorridos por ocasião do transporte de passageiros por
se tratar de serviços públicos. [...] no que diz respeito à responsabilidade
contratual do transportador, o Código de Defesa do Consumidor, quase nada
mudou, pois, como já vimos, essa responsabilidade já era objetiva desde 1912
[refere-se ao Decreto 2.681/12]. O que o Código fez e isso me parece importante
foi mudar o fundamento dessa responsabilidade, que agora não é mais o contrato
de transporte mas sim a relação de consumo, contratual ou não. Mudou também
seu fato gerador, deslocando-o do descumprimento da cláusula de incolumidade
para o vício ou defeito do serviço consoante art. 14 do Código de Defesa do
Consumidor, que diz: [...] Esse defeito pode ser de concepção (que se instara
quando o serviço está sendo realizado), pode ser de prestação (que ocorre quando
o serviço está sendo idealizado), e ainda de comercialização (por má informação
sobre a utilização do serviço). Em qualquer caso, entretanto, é irrelevante que
o defeito seja ou não imprevisível. O fornecedor do serviço terá que indenizar
desde que demonstrada a relação de causa e efeito entre o defeito do serviço e
o acidente de consumo, chamado pelo Código de fato do serviço. O Código
Civil, como não poderia deixar de ser consolidou toda essa evolução jurídica no
texto do art. 734 que diz (...). O art. 732 do Código Civil de 2002 inovou quanto à
regra de aplicação da lei geral e especial ao dispor: (...) A regra, como sabido
desde os bancos escolares, é que a lei especial prevalece sobre a geral, mormente
quando aquela (lei especial) é de ordem pública. Assim, dada a natureza do de
lei especial, o CDC deveria prevalecer em eventual conflito com as normas
(gerais) do Código Civil. Mas o art. 732 do Código Civil, repita-se, inovou
expressamente essa regra. Na prática, entretanto, nada influirá em relação ao
CDC, porque as normas do Código Civil não são negativas para os
consumidores, pelo contrário, em algumas hipóteses são até mais vantajosas,
como no caso de exclusão de responsabilidade. O CDC, no art. 14, § 3º, item
II, admite a exclusão da responsabilidade do fornecedor no caso de culpa
exclusiva de terceiro, ao passo que o Código Civil, em seu art. 735,
expressamente não admite a exclusão. Esse dispositivo nada mais é que a
positivação da antiga Súmula 187 do Supremo Tribunal Federal. [...] No que
tange às regras que enunciam condutas e suas conseqüências, a toda relação de
consumo aplica-se o Código de Defesa do Consumidor. Porém, se o Código Civil
em vigor a partir de 2003, tem alguma norma que especificamente regula a relação
de consumo, nesse caso, há de se aplicar a norma do Código Civil, isso porque se
trata de lei mais recente. Como exemplo, lembro as disposições que temos hoje
sobre o contrato de transporte de pessoas ou coisas que integram o novo Código
Civil, e que compõem um capítulo próprio, não constantes do Código Civil de
1916. Ora, todos sabemos que transporte é uma relação de consumo estabelecida
entre o fornecedor de um serviço e o consumidor desse serviço. Embora o
legislador tenha posto isso no Código Civil, na verdade, ele está regulando uma
relação de consumo, à qual se aplica o Código Civil, não o Código de Defesa do
Consumidor” (Programa de Responsabilidade Civil, 9ª ed., Atlas, 2010, SP, p.
315/317, o destaque não consta do original); e
(b) dos julgados do Eg. STJ extraídos do respectivo
site: (b.1) “(...) A responsabilidade do transportador em relação aos
passageiros é contratual e objetiva, nos termos dos arts. 734, caput, 735 e 738,
parágrafo único, do Código Civil de 2002, somente podendo ser elidida por
fortuito externo, força maior, fato exclusivo da vítima ou por fato doloso e
exclusivo de terceiro - quando este não guardar conexidade com a atividade
de transporte. Desse modo, o simples inadimplemento contratual, por meio
do descumprimento da cláusula de incolumidade, é fato gerador da
responsabilidade, sendo dispensada qualquer prova de culpa por parte do
transportador ou de seu preposto. Nesse sentido: "PROCESSO CIVIL, CIVIL
E CONSUMIDOR. TRANSPORTE RODOVIÁRIO DE PESSOAS. ACIDENTE
DE TRÂNSITO. DEFEITO NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. PRESCRIÇÃO.
PRAZO. ART. 27 DO CDC. NOVA INTERPRETAÇÃO, VÁLIDA A PARTIR
DA VIGÊNCIA DO NOVO CÓDIGO CIVIL. - O CC/16 não disciplinava
especificamente o transporte de pessoas e coisas. Até então, a regulamentação
dessa atividade era feita por leis esparsas e pelo CCom, que não traziam
dispositivo algum relativo à responsabilidade no transporte rodoviário de pessoas. -
Diante disso, cabia à doutrina e à jurisprudência determinar os contornos da
responsabilidade pelo defeito na prestação do serviço de transporte de passageiros.
Nesse esforço interpretativo, esta Corte firmou o entendimento de que danos
causados ao viajante, em decorrência de acidente de trânsito, não importavam em
defeito na prestação do serviço e; portanto, o prazo prescricional para ajuizamento
da respectiva ação devia respeitar o CC/16, e não o CDC. - Com o advento do
CC/02, não há mais espaço para discussão. O art. 734 fixa expressamente a
responsabilidade objetiva do transportador pelos danos causados às pessoas por
ele transportadas, o que engloba o dever de garantir a segurança do passageiro, de
modo que ocorrências que afetem o bem-estar do viajante devem ser classificadas
de defeito na prestação do serviço de transporte de pessoas. - Como decorrência
lógica, os contratos de transporte de pessoas ficam sujeitos ao prazo prescricional
específico do art. 27 do CDC. Deixa de incidir, por ser genérico, o prazo
prescricional do Código Civil. Recurso especial não conhecido." (REsp
958.833/RS, 3ª Turma, Rel. Min. NANCY ANDRIGHI, DJ de 25/2/2008)
"RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. TRANSPORTE
FERROVIÁRIO. 'PINGENTE'. CULPA CONCORRENTE. PRECEDENTES DA
CORTE. I - É dever da transportadora preservar a integridade física do passageiro
e transportá-lo com segurança até o seu destino. II - A responsabilidade da
companhia de transporte ferroviário não é excluída por viajar a vítima como
'pingente', podendo ser atenuada se demonstrada a culpa concorrente. Precedentes.
Recurso especial parcialmente provido." (REsp 226.348/SP, 3ª Turma, Rel. Min.
CASTRO FILHO, DJ de 23/10/2006) (...)” (Ag 1371593/MS, rel. Min. Raul
Araújo, data da publicação: 26/09/2011, o destaque não consta do original); e
(b.2) “(...) II - Violação dos arts. 732 e 206 do CC No que se refere à legislação
aplicável ao caso, cumpre salientar que a prestação de serviço de transporte
de pessoas configura relação de consumo, regulada de forma subsidiária pelo
CDC, conforme preceitua o art. 732 do CC/02. Aliás, mesmo na vigência do
CC/16, inexistia discussão acerca da aplicabilidade do CDC ao serviço de
transporte de passageiros, havendo controvérsia apenas quanto ao fato da
segurança do viajante constituir defeito inerente a esse serviço. Contudo, tendo o
novel Código Civil consignado expressamente a responsabilidade objetiva do
transportador de pessoas, o que abrange inclusive a incolumidade dos
passageiros, ocorrências que afetem o bem-estar do viajante podem e
devem ser classificadas de defeito na prestação do serviço de transporte de
pessoas, nos termos do art. 14 do CDC. Dessa forma, encontra-se o acórdão
recorrido em consonância com a jurisprudência desta Corte, firmada no sentido de
que os contratos de transporte de pessoas ficam sujeitos ao prazo prescricional
específico do art. 27 do CDC, de 05 (cinco) anos. Deixando de incidir, por ser
genérico, o prazo prescricional do art. 206, § 3º, V, do CC/02, que substituiria, no
particular, o art. 177 do CC/16” (Ag. 1145672, rel. Min. João Otávio de Noronha,
j. 17.09.09, o destaque não consta do original).
Pode-se considerar a autora, ainda, consumidora por
equiparação (art. 17 do CDC), visto que sofreu danos em virtude de acidente de
consumo causado pela ré.
Nesse sentido, a orientação: (a) de Sergio Cavalieri
Filho: “A norma do art. 17 do CDC só se aplica em relação à pessoa física de
alguma forma inserida em uma cadeia de consumo e que seja vítima de um
acidente de consumo. Na prática forense, são inúmeros os casos de vítimas de
empréstimos bancário obtido por estelionatário com documentos falsificados,
cheques falsificados devolvidos com negativação do nome do correntista,
contratação de serviços públicos (luz, telefonia) com documentos falsos e assim
por diante.” (“Programa de Direito do Consumidor”, 2ª ed., Atlas, 2010, SP, p. 65,
item 28.1, o negrito sublinhado não consta do original); e (b) do julgado extraído
do site do Eg. STJ: “CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR.
ACIDENTE AÉREO. TRANSPORTE DE MALOTES. RELAÇÃO DE
CONSUMO. CARACTERIZAÇÃO. RESPONSABILIDADE PELO FATO
DO SERVIÇO. VÍTIMA DO EVENTO. EQUIPARAÇÃO A
CONSUMIDOR. ARTIGO 17 DO CDC. I - Resta caracterizada relação de
consumo se a aeronave que caiu sobre a casa das vítimas realizava serviço de
transporte de malotes para um destinatário final, ainda que pessoa jurídica, uma
vez que o artigo 2º do Código de Defesa do Consumidor não faz tal distinção,
definindo como consumidor, para os fins protetivos da lei, "... toda pessoa física
ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final".
Abrandamento do rigor técnico do critério finalista. II - Em decorrência, pela
aplicação conjugada com o artigo 17 do mesmo diploma legal, cabível, por
equiparação, o enquadramento do autor, atingido em terra, no conceito de
consumidor. Logo, em tese, admissível a inversão do ônus da prova em seu favor
. Recurso especial provido” (STJ-3ª Turma, REsp 540235 /TO, rel. Min. Castro
Filho, v.u., j. 07/02/2006, DJ 06/03/2006 p. 372, o destaque não consta do
original).
3.3. Não merece reparo a r. sentença, quanto à
rejeição da arguição da prescrição trienal.
3.3.1. A prestação de serviço de transporte de
pessoas configura relação de consumo, regulada de forma subsidiária pelo CDC,
conforme preceitua o art. 732 do CC/02, daí porque a prescrição para reparação de
danos no transporte de passageiros é quinquenal, nos termos do art. 27, do CDC, e
não pelo art. 206, § 3º, V, do CC/2002, para eventos danosos ocorridos após a
vigência do CC/2002, caso dos autos.
Nesse sentido, a orientação dos julgados extraídos
do site do Eg. STJ: (a) AGRAVO DE INSTRUMENTO - ACIDENTE DE
TRÂNSITO - PASSAGEIRO DE COLETIVO - RELAÇÃO DE CONSUMO -
PRESCRIÇÃO - APLICAÇÃO DO CDC - RECURSO IMPROVIDO.
DECISÃO (...) O recurso não merece prosperar. Com efeito. Os elementos
existentes nos autos dão conta que o Tribunal a quo decidiu pela
caracterização da relação de consumo entre o passageiro de coletivo da
empresa agravante e consequente aplicação do prazo prescricional de 5 anos
estabelecido pelo CDC. Verifica-se que o acórdão recorrido está em harmonia
com a jurisprudência desta Corte. Nesse sentido, confira-se o seguinte precedente
assim ementado: "PROCESSO CIVIL, CIVIL E CONSUMIDOR.
TRANSPORTE RODOVIÁRIO DE PESSOAS. ACIDENTE DE TRÂNSITO.
DEFEITO NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. PRESCRIÇÃO. PRAZO. ART. 27
DO CDC. NOVA INTERPRETAÇÃO, VÁLIDA A PARTIR DA VIGÊNCIA
DO NOVO CÓDIGO CIVIL. - O CC/16 não disciplinava especificamente o
transporte de pessoas e coisas. Até então, a regulamentação dessa atividade era
feita por leis esparsas e pelo CCom, que não traziam dispositivo algum relativo à
responsabilidade no transporte rodoviário de pessoas. - Diante disso, cabia à
doutrina e à jurisprudência determinar os contornos da responsabilidade pelo
defeito na prestação do serviço de transporte de passageiros. Nesse esforço
interpretativo, esta Corte firmou o entendimento de que danos causados ao
viajante, em decorrência de acidente de trânsito, não importavam em defeito na
prestação do serviço e; portanto, o prazo prescricional para ajuizamento da
respectiva ação devia respeitar o CC/16, e não o CDC. - Com o advento do
CC/02, não há mais espaço para discussão. O art. 734 fixa expressamente a
responsabilidade objetiva do transportador pelos danos causados às pessoas
por ele transportadas, o que engloba o dever de garantir a segurança do
passageiro, de modo que ocorrências que afetem o bem-estar do viajante
devem ser classificadas de defeito na prestação do serviço de transporte de
pessoas. - Como decorrência lógica, os contratos de transporte de pessoas
ficam sujeitos ao prazo prescricional específico do art. 27 do CDC. Deixa de
incidir, por ser genérico, o prazo prescricional do Código Civil. Recurso
especial não conhecido."(Resp 958.833/RS, Relatora Ministra Nancy Andrighi,
DJ 25.02.2008) Nega-se, portanto, provimento ao agravo de instrumento.” (Ag
1203289/RJ, rel. Min. Massami Uyeda, data da publicação: 11/11/2009, o
destaque não consta do original); e (b) “Trata-se de agravo de instrumento
interposto por SÃO PAULO TRANSPORTE S/A contra decisão que inadmitiu
recurso especial ante a não-demonstração da alegada vulneração dos dispositivos
indicados e a incidência da Súmula n. 7/STJ. (...) É o relatório. Decido. (...)
Passo, pois, à análise das proposições mencionadas. (...) II - Violação dos arts.
732 e 206 do CC No que se refere à legislação aplicável ao caso, cumpre
salientar que a prestação de serviço de transporte de pessoas configura
relação de consumo, regulada de forma subsidiária pelo CDC, conforme
preceitua o art. 732 do CC/02. Aliás, mesmo na vigência do CC/16, inexistia
discussão acerca da aplicabilidade do CDC ao serviço de transporte de
passageiros, havendo controvérsia apenas quanto ao fato da segurança do
viajante constituir defeito inerente a esse serviço. Contudo, tendo o novel
Código Civil consignado expressamente a responsabilidade objetiva do
transportador de pessoas, o que abrange inclusive a incolumidade dos
passageiros, ocorrências que afetem o bem-estar do viajante podem e
devem ser classificadas de defeito na prestação do serviço de transporte de
pessoas, nos termos do art. 14 do CDC. Dessa forma, encontra-se o acórdão
recorrido em consonância com a jurisprudência desta Corte, firmada no
sentido de que os contratos de transporte de pessoas ficam sujeitos ao prazo
prescricional específico do art. 27 do CDC, de 05 (cinco) anos. Deixando de
incidir, por ser genérico, o prazo prescricional do art. 206, § 3º, V, do CC/02,
que substituiria, no particular, o art. 177 do CC/16. III Conclusão Ante o
exposto, nego provimento ao agravo. (Ag 1145672/SP, rel. Min. João Otávio
Noronha, data da publicação: 22/09/2009, o destaque não consta do original).
3.3.2. Como, na espécie, a ação de reparação de
danos foi proposta em 18.09.2009 (fls. 02) e é aplicável o prazo prescricional de 5
anos previsto no art. 27, do CC/2002, contado a partir de 11.07.2006, data do
evento danoso, não se consumou a prescrição.
3.4. Em ação de responsabilidade civil promovida
contra empresa prestadora de serviço público de transporte de passageiros,
incumbe: (a) ao autor o ônus da prova do fato constitutivo de seu direito, nos
termos do art. 333, I, do CPC, ou seja, do dano e sua condição de passageiro, ou,
no presente caso, a condição de passageiro da mãe da autora; e (b) ao réu, nos
termos do art. 333, II, do CPC, demonstrar que o evento danoso se verificou por
caso fortuito, força maior, culpa exclusiva da vítima ou fato exclusivo de terceiro.
Neste sentido, a orientação de: (a) Arnaldo Rizzardo:
“Ou seja, domina a responsabilidade objetiva. Para eximir-se da obrigação de
indenizar, cumpre ao transportador provar a culpa da vítima, ou caso fortuito ou
de força maior. Para a vítima ou o lesado, basta provar o transporte e o dano.
A seguinte decisão bem aprecia a natureza da obrigação: 'tratando-se de acidente
com veículo pertencente a pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviço
público de transporte coletivo urbano, impõe-se a análise do feito sob a ótica da
responsabilidade objetiva, sendo, portanto, desnecessária a prova da culpa do
preposto da empresa transportadora, mormente se não se desincumbiu esta de
demonstrar que houve um fator de exclusão de sua responsabilidade, qual seja a
culpa exclusiva da vítima na produção do evento ou mesmo hipótese de culpa
concorrente, que pudesse atenuar ou reduzir proporcionalmente a indenização
cabível' ” (“Responsabilidade civil”, 3ª ed., Forense, 2007, Rio de Janeiro, p. 442);
e (b) Carlos Roberto Gonçalves: “Pode-se considerar, pois, que o transportador
assume uma obrigação de resultado: transportar o passageiro são e salvo, e a
mercadoria sem avarias a seu destino. A não-obtenção desse resultado importa o
inadimplemento das obrigações assumidas e a responsabilidade pelo dano
ocasionado. Não se eximirá da responsabilidade provando apenas ausência de
culpa. Incumbe-lhe o ônus de demonstrar que o evento danoso se verificou
por caso fortuito, força maior ou por culpa exclusiva da vítima, ou ainda por
fato exclusivo de terceiro. Denomina-se cláusula de incolumidade a obrigação
tacitamente assumida pelo transportador de conduzir o passageiro são e salvo ao
local de destino” (“Responsabilidade Civil”, 10ª ed., 2ª tir., Saraiva, 2008, SP, p.
311, o destaque não consta do original).
Quanto ao ônus da prova em ações do consumidor, a
orientação de Humberto Theodoro Júnior: “Ao réu, segundo a melhor percepção
do espírito da lei consumerista, competirá provar, por força da regra sub examine
[refere-se ao art. 6º, VIII, do CDC], não o fato constitutivo do direito do
consumidor, mas aquilo que possa excluir o fato da esfera da responsabilidade,
diante do quadro evidenciado no processo, como, v.g., o caso fortuito, a culpa
exclusiva da vítima, a falta de nexo entre o resultado danoso e o produto
consumidor etc. Sem prova alguma, por exemplo, da ocorrência do fato
constitutivo do direito do consumidor (autor), seria diabólico exigir do fornecedor
(réu) a prova negativa do fato passado fora de sua área de conhecimento e
controle. Estar-se-ia, na verdade, a impor prova impossível, a pretexto de inversão
do onus probandi, o que repugna à garantia do devido processo legal, com as
características do contraditório e ampla defesa. O sistema do art. 6º, VIII, do CDC
só se compatibiliza com as garantias democráticas do processo se entendido como
critério de apreciação das provas pelo menos indiciárias, disponíveis no processo.
Não pode ser aplicado a partir do nada.” (“Curso de Direito Processual Civil”, vol.
I, 49ª ed., Forense, 2008, RJ, p. 433, item nº 422-c).
3.5. Constitui excludente de responsabilidade do
transportador, relativamente a danos à pessoa transportada, a ocorrência de
configuração de caso fortuito externo, ou seja, fato de exclusivo de terceiro,
inteiramente estranho aos riscos do transporte, sem nenhuma relação com a
atividade prestada, nem com a organização da prestadora do serviço.
Nesse sentido, a orientação de Sergio Cavalieri
Filho: “Os modernos civilistas, tendo em vista a presunção de responsabilidade do
transportador, dividem o caso fortuito em interno e externo. Entende-se por
fortuito interno o fato imprevisível, e, por isso, inevitável, que se liga à
organização da empresa, que se relaciona com os riscos da atividade
desenvolvida pelo transportador. O estouro de um pneu do ônibus, o incêndio
do veículo, o mal súbito do motorista etc. são exemplos do fortuito interno,
por isso que, não obstante acontecimento imprevisíveis, estão ligados à
organização do negócio explorado pelo transportador. A empresa noticiou, faz
algum tempo, que o comandante de um Boeing, em pleno vôo, sofreu um enfarte
fulminante e morreu. Felizmente, o copiloto assumiu o comando e conseguiu levar
o avião são e salvo ao seu destino. Eis, aí, um típico caso de fortuito interno. O
fortuito externo é também fato imprevisível e inevitável, mas estranho à
organização do negócio. É o fato que não guarda nenhuma ligação com a
empresa, como fenômenos da Natureza tempestades, enchentes etc. Duas
são, portanto, as características do fortuito externo: autonomia em relação
aos riscos da empresa e inevitabilidade, razão pela qual alguns autores o
denominam de força maior (Agostinho Alvim, ob. Cit., p. 314-315). Pois bem,
tão forte é a presunção de responsabilidade do transportador, nem mesmo o
fortuito interno o exonera do dever de indenizar; só o fortuito externo, isto é,
o fato estranho à empresa, sem ligação alguma com a organização do negócio.
Esse entendimento continua sustentável à luz do Código Civil de 2002, cujo art.
734, há pouco visto, só exclui responsabilidade do transportador no caso de força
maior ou seja, fortuito externo. O mesmo se diga em relação ao Código do
Consumidor, no qual, para que se configure a responsabilidade do fornecedor de
serviço (art.14), basta que o acidente de consumo tenha por causa um defeito do
serviço, sendo irrelevante se o defeito é de concepção, de prestação ou
comercialização, e nem ainda se previsível ou não. Decorrendo o acidente de um
defeito do serviço, previsível ou não, haverá sempre o dever de indenizar do
transportador. Entre as causas de exclusão de responsabilidade do fornecedor de
serviços, o Código de Defesa do Consumidor (art. 14, § 3º) não se referiu ao caso
fortuito e à força maior, sendo assim possível entender que apenas o fortuito
externo o exonera do dever de indenizar.” (“Programa de Responsabilidade Civil”,
9ª ed., Atlas, 2010, SP, p. 318/319, item 93.1.).
3.6. Diante das alegações das partes e da prova
constante dos autos, reconhece-se que: (a) a autora demonstrou a condição de
passageira de sua genitora, bem como que esta sofreu lesões em razão de acidente
com o veículo que a transportava; e (b) a ré não produziu prova de fortuito externo
configurador de excludente de responsabilidade.
Os documentos de fls. 54/70 demonstram que as
lesões sofridas pela mãe da autora no evento danoso exigiram a realização de
várias cirurgias e tratamento fisioterápico.
Nenhuma prova produzida permite o
reconhecimento da culpa exclusiva de terceiro ou culpa exclusiva ou parcial do
autor, nem mesmo a ocorrência de caso fortuito ou força maior, para excluir a
responsabilidade do réu.
3.7. Configurado o inadimplemento contratual e o
defeito do serviço prestado pela transportadora, consistente no acidente do veículo
e que ocasionou lesões físicas à mãe da autora, constituídas por “fratura do talus
direito”, e não caracterizada nenhum excludente de responsabilidade, de rigor, o
reconhecimento da responsabilidade e a condenação da ré transportadora na
obrigação de indenizar a autora, filha de passageira, pelos danos decorrentes, em
forma reflexa, do ilícito em questão.
3.8. Reforma-se a r. sentença, quanto aos danos
morais, para fixar a respectiva indenização na quantia de R$6.220,00, com
incidência de correção monetária a partir deste julgamento e juros de mora a partir
da citação.
3.8.1. As lesões sofridas pela mãe da autora,
constituídas por “fratura no talus direito”, em razão de acidente do veículo da ré,
que resultaram em incapacidade para o trabalho por mais de um ano (cf.
documento do INSS de fls. 53), seguidas de várias cirurgias e tratamento médico
(cf. documentos de fls. 54/70), sofrimento este da mãe que foi vivenciado pela
filha autora, constituem, por si só, fato ensejador de dano moral reflexo para a
autora, porquanto com gravidade suficiente para causar desequilíbrio do bem-estar
e sofrimento psicológico relevante.
“Está assentado na jurisprudência da Corte que "não
há que se falar em prova do dano moral, mas, sim, na prova do fato que gerou a
dor, o sofrimento, sentimentos íntimos que o ensejam. Provado assim o fato,
impõe-se a condenação, sob pena de violação ao art. 334 do Código de Processo
Civil” (STJ-3ª Turma, REsp 204786/SP, rel. Min. Carlos Alberto Menezes
Direito, v.u., j. 07.12.1999, DJ 12.01.1999, JBCC vol. 188 p. 249, , conforme site
do Eg. STJ).
3.8.2. Quanto à quantificação da indenização por
danos morais, adota-se a seguinte orientação: (a) O arbitramento de indenização
por dano moral reconhecido deve considerar a condição pessoal e econômica do
autor, a potencialidade do patrimônio do réu, bem como as finalidades
sancionadora e reparadora da indenização, mostrando-se justa e equilibrada a
compensação pelo dano experimentado, sem implicar em enriquecimento sem
causa da lesada; e (b) “A fixação do valor da indenização, devida a título de danos
morais, não fica adstrita aos critérios do Código Brasileiro de Telecomunicações”
(STJ-4ª Turma, AgRg no Ag 627816/MG, rel. Min. Fernando Gonçalves, v.u., j.
03/02/2005, DJ 07.03.2005 p. 276, , conforme site do Eg. STJ).
3.8.3. “Quanto ao emprego do salário mínimo como
critério de indexação do valor da indenização, o recurso merece parcial acolhida.
Reproduzo, por esclarecedora, a ementa do RE 409.427-AgR, Relator Ministro
Carlos Velloso: "CONSTITUCIONAL. INDENIZAÇÃO: SALÁRIO-MÍNIMO.
C.F., art. 7º, IV. I. - Indenização vinculada ao salário-mínimo: impossibilidade.
C.F., art. 7º, IV. O que a Constituição veda -- art. 7º, IV -- é a fixação do quantum
da indenização em múltiplo de salários-mínimos. STF, RE 225.488/PR, Moreira
Alves; ADI 1.425. A indenização pode ser fixada, entretanto, em saláriosmínimos,
observado o valor deste na data do julgamento. A partir daí, esse
quantum será corrigido por índice oficial. II. - Provimento parcial do agravo: RE
conhecido e provido, em parte." Cito, no mesmo sentido, os REs 270.161,
Relatora Ministra Ellen Gracie; 225.488, Relator Ministro Moreira Alves; e
338.760 Relator Ministro Sepúlveda Pertence. Assim, frente ao art. 557, § 1º-A,
do CPC, dou parcial provimento ao recurso apenas para desvincular o quantum
indenizatório do valor do salário mínimo, devendo ser considerado o vigente na
data da condenação, a ser atualizado monetariamente pelos índices legais.
Publique-se. Brasília, 26 de outubro de 2004. Ministro CARLOS AYRES
BRITTO Relator” (RE 430411 / RJ, rel. Min. Carlos Ayres Britto, DJ 30/11/2004
PP-00110, conforme site do Eg. STF).
“A correção monetária do valor da indenização do
dano moral incide desde a data do arbitramento” (Súmula 362/STJ).
3.8.4. Considerando os parâmetros supra indicados e
buscando assegurar aos lesados a justa reparação, sem incorrer em enriquecimento
ilícito, mostra-se, na espécie, razoável a fixação da indenização de danos morais
na quantia correspondente a 10 salários mínimos no valor vigente atualmente, ou
seja, R$6.220,00, com correção monetária a partir da data deste julgamento.
Observa-se que, na data deste julgamento, o valor do
salário mínimo é de R$622,00.
3.9. Os juros de mora são devidos a partir da citação,
acontecida na vigência do CC/2002, no percentual de 12% ao ano, por se tratar de
responsabilidade contratual,
Nesse sentido, a orientação dos julgados do Eg. STJ
extraídos do respectivo site: “CIVIL E PROCESSUAL. AGRAVO
REGIMENTAL. ACIDENTE. ÔNIBUS. AMPUTAÇÃO DE BRAÇO.
PERÍCIA. PROVAS. REEXAME DE PROVAS. IMPOSSÍVEL. SÚMULA N.
7/STJ. DANO MORAL. VALOR RAZOÁVEL. ENRIQUECIMENTO ILÍCITO.
INEXISTÊNCIA. RESPONSABILIDADE CONTRATUAL. JUROS.
TERMO INICIAL. A PARTIR DA CITAÇÃO. PERCENTUAL. CÓDIGO
CIVIL VIGENTE À ÉPOCA. AGRAVO PARCIALMENTE PROVIDO. I.
Quanto à questão de prova pericial, o STJ recebe o quadro probatório tal como
delineado pelo Tribunal Estadual e a sua revisão importa em rever o conjunto
fático dos autos, vedado pela Súmula n. 7 II. Tratando-se de responsabilidade
contratual, como no presente caso, os juros de mora incidem a partir da
citação, pela taxa de 0,5% ao mês (art. 1.062 do Código Civil de 1916) até o
dia 10.1.2003, e, a partir de 11.1.2003, quando da entrada em vigor do Código
Civil/2002, à taxa de 1%, conforme o artigo 406 do Código Civil/2002. III.
Agravo regimental parcialmente provido.” (STJ-4ª Turma, AgRg no Ag
791802/RJ, rel. Min. Aldir Passarinho Junior, v.u., j. 11/12/2007, DJ 18/02/2008
p. 33).
4. O provimento, em parte, do recurso não tem
reflexo nos encargos de sucumbência, visto que mínima a alteração do julgado.
Anota-se que: “Na ação de indenização por dano
moral, a condenação em montante inferior ao postulado na inicial não implica
sucumbência recíproca.” (Súmula 326/STJ).
5. Em resumo, respeitado o entendimento do MM
Juiz sentenciante, o recurso da ré deve ser desprovido e o recurso da autora deve
ser provido, em parte, para, mantida, no mais, para reformar a r. sentença, para,
fixar a indenização por danos morais na quantia de R$6.220,00, com incidência de
correção monetária a partir da data deste julgamento.
Ante o exposto e para os fins acima, nega-se
provimento ao recurso da ré, e dá-se provimento, em parte, ao recurso da
autora.
Manoel Ricardo Rebello Pinho
Relator
Fonte: TJSP

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