Acórdão da 6ª Câmara de Direito Privado manteve
decisão de primeira instância que não concedeu indenização a uma consumidora
que teve reação alérgica após utilizar um bronzeador às vésperas de uma viagem
ao Nordeste do país.
K.M.A.
relatou que fez uso do cosmético, produzido por um grande fabricante, e depois da
utilização contraiu alergia por...
todo o corpo, com prurido intenso, ardor e
calor. Para ela, a reação alérgica teve como causa a loção fabricada pela ré,
portanto mereceria receber reparação pelos danos materiais e morais sofridos. O
Juízo de primeiro grau não acolheu os argumentos da autora, porque laudo
pericial demonstrou que a reação alérgica decorreu de uma predisposição da
consumidora que normalmente não é encontrada na maioria da população.
Inconformada
com o resultado, ela apelou. O produto poderia causar alergia em qualquer
pessoa, devido a seus componentes, e as informações do rótulo eram
insuficientes, pois não conteriam advertência clara quanto aos riscos de sua
utilização, argumentou a autora no recurso.
“No
caso em exame, o produto não apresentou defeito intrínseco. A apelante não
demonstrou por provas documental, testemunhal e pericial qualquer vício ou
defeito no cosmético ofertado pela requerida”, afirmou o desembargador
Francisco Loureiro, relator da apelação. Ainda que perícia tenha constatado o
nexo causal entre a alergia sofrida pela autora e a utilização do bronzeador,
“estas reações não podem ser previstas, podendo ocorrer com qualquer pessoa e
com qualquer produto químico, especialmente se houver algum fator que predisponha
a uma maior sensibilidade da pele”, esclareceu o perito em seu relatório.
“Acrescente-se
que a loção bronzeadora em questão foi devidamente registrada junto à Anvisa,
que aprovou não só os componentes químicos da fórmula mas também o rótulo do
produto, ressaltando que o mesmo não continha restrições de uso nem exigia
cuidados especiais de conservação”, acrescentou o relator.
Participaram
da turma julgadora também os desembargadores Eduardo Sá Pinto Sandeville e
Alexandre Lazzarini, que votaram por unanimidade.
ÍNTEGRA DO
ACÓRDÃO
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos
estes autos do Apelação nº 0234570-78.2007.8.26.0100, da Comarca de São Paulo,
em que é apelante KMA (JUSTIÇA GRATUITA), é apelado UNILEVER BRASIL INDUSTRIAL
LTDA.
ACORDAM, em 6ª Câmara
de Direito Privado do Tribunal deJustiça de São Paulo, proferir a seguinte
decisão: "Negaram provimento ao recurso.
V. U.", de conformidade com
o voto do Relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação
dos Exmos. Desembargadores
FRANCISCO LOUREIRO (Presidente),
EDUARDO SÁ PINTO SANDEVILLE E ALEXANDRE LAZZARINI.
São Paulo, 8 de novembro de 2012
FRANCISCO
LOUREIRO
RELATOR
VOTO No 17.863
RESPONSABILIDADE
CIVIL Fato do produto. Alegação de reação alérgica e prejuízo econômico após
usode loção bronzeadora Inexistência de defeito do produto.
Hipersensibilidade
pessoal da autora a determinadocomponente do cosmético não é passível de
configurar atoilícito ou de gerar direito à indenização Informações
eadvertências adequadas na embalagem do produto. Ausência dos pressupostos da
responsabilidade civil Açãoimprocedente. Recurso não provido.
Cuida-se de recurso de apelação tirado
contra a r.sentença de fls. 463/466 dos autos, que julgou improcedente ação
deindenização por danos materiais e morais ajuizada por KMA em face de UNILEVER BRASIL
INDUSTRIAL LTDA.
Fê-lo a r. sentença, basicamente sob
ofundamento de que o laudo pericial trazido aos autos demonstrou que areação
alérgica sofrida pela autora ao utilizar o bronzeador fabricadopela ré decorreu
de uma pré-disposição da consumidora incomum namaioria da população. O decisum ainda afastou a
alegada falha nodever de informação, pois o produto continha informações
suficientesacerca dos riscos de sua utilização.
A recorrente alega, em síntese, que a
MMa. Juízaa
quo equivocou-se
ao julgar improcedente a demanda. Afirma queadquiriu a loção bronzeadora “D.S.T.”
fabricada pela ré,motivada pela publicidade “Compromisso D. de bronzeamentobronzeado
garantido ou seu dinheiro de volta”, e que após o uso doproduto, apresentou
reação alérgica em sua pele.
Sustenta que a prova pericial
demonstrou o nexode causalidade entre a utilização da loção e a alergia, e que
por isso aação deveria ter sido julgada procedente.
Aduz que o produto poderia ter causado
reaçãoalérgica em qualquer pessoa, devido aos seus próprios componentes, eque
as informações constantes do rótulo eram insuficientes, pois nãocontinham
advertência clara acerca dos riscos de sua utilização.
Acrescenta que a publicidade em torno
da loção fê-la crer que se tratava
de um produto seguro, quando na
verdade não era.
Em razão do exposto e pelo que
maisargumenta às fls. 469/478, pede o provimento de seu recurso.
O apelo foi contrariado (fls.
485/494).
É o relatório.
1. O recurso não comporta provimento.
A autora relatou na inicial que em
decorrência douso do produto “D. Summer Tone”, loção bronzeadora fabricada
pelaré, apresentou forte reação alérgica em todo o corpo, com “placareseritemato
edematosos” no dorso e membros, além de prurido intenso,ardor e calor.
Após buscar auxílio médico, foi-lhe
recomendadonão exposição ao sol e à água do mar pelo período de 30 dias,
sendoque a requerente possuía viagem marcada para o Nordeste naqueleperíodo.
Afirma a demandante que a publicidade
em tornodo cosmético assegurava o bronzeamento, sob pena de devolução
dodinheiro pago, o que a fez acreditar que se tratava de um produtoseguro.
Sustenta, assim, que a reação alérgica
de que foiacometida teve como causa o uso da loção fabricada pela ré, em
razãodo que pede a reparação dos danos materiais e morais que sofreu.
2. Como se vê, versa o caso em tela
sobre típicarelação de consumo. Indiscutível que os fatos narrados na
inicialocorreram em decorrência do uso de cosmético de fabricação da ré.
Também é fora de questão que mesmo
osprodutos submetidos a testes de qualidade estão sujeitos ao deverimplícito de
segurança dos fabricantes. O teste em questão é desatisfação e de aferição de
qualidades intrínsecas do produto, não derequisitos de segurança em relação a
potenciais consumidores.
3. Os fatos relatados na inicial se
enquadram nafigura do fato do produto,
disciplinado pelos artigos 12 a 14 do Código deDefesa do Consumidor.
A
responsabilidade do fabricante e de todosaqueles que integram a cadeia
produtiva é objetiva,
pela reparação dosdanos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de
projeto,fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação,apresentação ou
acondicionamento de seus produtos, bem como porinformações insuficientes ou
inadequadas sobre sua utilização e riscos (art. 14 do CDC).
O parágrafo 1º do artigo 14 dispõe que
o produtoé defeituoso quando não oferece
a segurança que dele legitimamente seespera, levando-se em consideração as
circunstâncias relevantes, entreas quais sua apresentação, o uso e os riscos
que razoavelmente dele seespera.
A noção de defeito está intimamente
ligada àsexpectativas do consumidor, ou seja, quando o produto é mais
perigosodo que razoavelmente dele se espera.
O grau de segurança exigido pelo CDC
não éabsoluto, mas somente a segurança
que legitimamente se possa esperardo produto. Ao contrário, os riscos à
saúde e segurança dosconsumidores são aceitáveis, desde que normais e
previsíveis (artigos 8ºe 9º do CDC).
Por isso, no dizer de Sílvio
Ferreira da Rocha,“na valoração do caráter defeituoso do produto deve-se
atender não sóas expectativas subjetivas da vítima, à segurança com que
elapessoalmente contava, mas às expectativas objetivas do público emgeral, isto
é, a segurança esperada e tida por normal do tráfico dorespectivo setor de
consumo” (Responsabilidade Civil do Fornecedorpelo Fato do Produto no
Direito Brasileiro, RT, p. 93)
4. No caso em exame, o produto não
apresentoudefeito intrínseco. A apelante não demonstrou por provas
documental,testemunhal e pericial qualquer vício ou defeito no cosmético
ofertadopela requerida.
Não consta nos autos nenhuma evidência
aatestar defeito na formulação da loção bronzeadora utilizada pelarecorrente.
Em termos diversos, não está o produto em desacordo com asegurança que dele se
espera.
Poder-se-ia cogitar, é certo, de
violação do deverde informação quanto a possíveis reações alérgicas dos
consumidores.
Não se trata, porém, da hipótese dos
autos, em que da leitura do própriorótulo do produto e da prova pericial
produzida extrai-se que asinformações disponibilizadas aos consumidores eram
suficientes eadequadas.
Não se pode olvidar que as alergias
eintolerâncias do ser humano são infinitas e atingem indistintamentequase todos
os produtos e substâncias. A advertência geral é inócua emprodutos comuns. Não
se cogita que o vendedor de frutos do mar, ou detravesseiros, ou de produtos
lácteos alerte o consumidor quanto apossível intolerância no momento do
consumo.
O mesmo pode-se dizer de cosméticos,
comodesodorantes, shampoos, sabonetes que embora não contenhamnenhum componente
especialmente agressivo, podem desencadearalergias de contato em determinados
consumidores com sensibilidadesespeciais.
Cuida-se de informação tão genérica e
difundidaque não atingiria a finalidade de evitar danos aos consumidores.
Bastaao fabricante, em tais casos, fornecer tal como no caso concretotodos os
componentes do produto, cabendo ao consumidor evitar o usode substâncias que
lhe cause alergias.
Somente em casos de fármacos e
cosméticosque produzam efeitos danosos a grupos especiais de
consumidoresgestantes, cardiopatas é que o dever de informação avulta, diante
daexistência de periculosidade agravada.
É por isso que, no dizer de João
Calvão daSilva, não será defeituoso um produto (ainda que um fármaco)
queprovoque alergia num doente, em virtude de predisposição
subjetiva,individual, quando ao conjunto de consumidores se mostre inofensivo(Responsabilidade
Civil do Produtor, Almedina, p. 636).
Em resumo, a intolerância da autora à
loçãobronzeadora, cuja composição é desprovida de substânciaespecialmente
agressiva ou danosa, não torna o produto defeituoso. Odano não decorreu de
quebra ao dever de segurança do produto, massim de fragilidade pessoal da
própria autora.
5. O laudo pericial de fls. 350/360 é
bastanteenfático neste sentido. Indagado o perito se a resposta cutânea à
alergiadepende de predisposição individual, respondeu ele afirmativamente
(fls.358), acrescentando ainda que “como em qualquer cosmético,
oscomponentes podem desencadear reações de contato”, e que a
loçãohidratante de autobronzeamento usada pela requerente é um produtoque pode
ser usado por qualquer pessoa, observadas as instruções deuso (fls. 359).
Concluiu o perito pela provável
existência de nexocausal entre a utilização do produto fabricado pela ré e a
alergiaexperimentada pela autora. Ressalvou, no entanto, que “estas
reaçõesnão podem ser previstas, podendo ocorrer com qualquer pessoa e
comqualquer produto químico, especialmente se houver algum fator quepredisponha
a uma maior sensibilidade da pele” (fls. 359/360).
6. Reconheço, assim, a existência de
nítidarelação de causalidade entre o uso do produto e a subsequente
lesãocutânea apresentada pela autora. Há, inclusive, nos autos declaraçãomédica
afirmando ter a requerente apresentado quadro alérgicourticariforme, associado
a contato com o produto D. Summer Tone(fls. 62).
Todavia, o laudo pericial produzido
nãodesqualifica o produto supracitado, mas sim sugere que a urticária
queacometeu a apelante decorreu de hipersensibilidade alérgica acomponente
químico específico contido no produto, tratando-se dereação individual e
imprevisível.
Acrescente-se que a loção bronzeadora
emquestão foi devidamente registrada junto à ANVISA, que aprovou não sóos
componentes químicos da fórmula mas também o rótulo do produto,ressaltando que
o mesmo não continha restrições de uso nem exigiacuidados especiais de
conservação (cf. fls. 140/141).
7. Em resumo, o produto não é
defeituoso e airritação cutânea de que padeceu a autora decorreu de
circunstânciaespecial ligada à sua própria pessoa.
Sob ótica inversa, demonstrou a ré a
inexistênciade defeito, caracterizando a excludente de responsabilidade
prevista noart. 12, par. 3º., II do CDC.
Como alerta Zelmo Denari, o
defeito do produto éum dos pressupostos da responsabilidade por danos. Se o produto nãoostenta vício de qualidade,
ocorre ruptura da relação causal quedetermina o evento danoso, ficando afastada
a responsabilidade doconsumidor(Código
Brasileiro de Defesa do ConsumidorComentado pelos Autores do Anteprojeto,
Forense Universitária, p.89).
8. Diante da prova dos autos e à luz
doordenamento jurídico, não há como reconhecer o alegado defeito doproduto.
Restou demonstrada à saciedade a excludente
deantijuridicidade.
A sentença que decretou a
improcedência dapresente ação indenizatória deu correta solução à lide e não
comportareparo.
Diante do exposto, pelo meu voto,
negoprovimento ao recurso.
FRANCISCO LOUREIRO
Relator
Maria da
Glória Perez Delgado Sanches
Membro
Correspondente da ACLAC – Academia Cabista de Letras, Artes e Ciências de
Arraial do Cabo, RJ.
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